A saúde mental dos colaboradores tem sido um tema central nas discussões corporativas, especialmente no mês de prevenção ao suicídio, o Setembro Amarelo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 15% da população economicamente ativa enfrenta estresse ligado ao ambiente profissional, gerando sérios impactos psicológicos. No Brasil, o aumento de 38% nos afastamentos por questões emocionais, de acordo com o Ministério da Previdência Social em 2023, destaca a urgência de medidas voltadas ao bem-estar.
A pesquisa realizada pela Pipo Saúde também revela um cenário preocupante: 48% dos entrevistados estão sob risco de desenvolver problemas psicológicos, 44% sofrem de insônia, 66% enfrentam o sedentarismo e 60% estão acima do peso devido à dificuldade de adaptação ao novo ritmo pós-pandemia.
“A velha ideia de romantizar o workaholic, de que quanto mais você rala, mais chances terá de receber reconhecimento, não respeitar os próprios limites (ou nem reconhecê-los) também contribui para exaustão, mas é injusto atribuir responsabilidades individuais quando o problema é sistêmico e quando o medo de perder a fonte de renda é maior do que a coragem de se preservar. Por outro lado, esperar que o sistema mude, no curto prazo, é quase ingênuo da nossa parte, o que nos traz de volta às esferas mais particulares”, comenta a psicanalista Ana Tomazelli, presidente do Ipefem (Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas).
Mente cheia é oficina do esgotamento mental
Em lugares nos quais a produtividade e a competitividade são priorizadas, o equilíbrio entre vida pessoal e profissional é frequentemente comprometido, levando ao aumento de casos de ansiedade, depressão e burnout. No Brasil, a Isma-BR (International Stress Management Association) estima que 72% dos trabalhadores economicamente ativos lidam com estresse relacionado à função, e 32% enfrentam burnout.
Muitos profissionais lidam com a pressão de atingir metas, enquanto outros enfrentam a sobrecarga de e-mails, relatórios e demandas crescentes. “Essa pressão contínua não apenas reduz a qualidade de vida dos trabalhadores, mas também impacta diretamente a produtividade e a eficiência das equipes”, destaca o especialista em Desenvolvimento de Lideranças e Saúde Mental no trabalho, Renato Herrmann.
O profissional destaca que, “em muitos casos, a resposta a essas demandas excessivas é o esgotamento completo, resultando em um ciclo vicioso onde o desempenho cai, aumentando ainda mais a pressão e o estresse”.
O que contribui para um local de serviço tóxico?
Para Renato Herrmann, a sobrecarga de tarefas e a falta de suporte adequado criam um ambiente onde os profissionais se sentem isolados e incapazes de atender às expectativas impostas. A cultura do “sempre conectado” agrava ainda mais essa situação, tornando as fronteiras entre o emprego e a vida pessoal cada vez mais indistintas.
Uma pesquisa está sendo realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para contabilizar a quantidade de trabalhadores que possuem dificuldades em desconectar-se do trabalho fora do expediente, contribuindo para o desgaste psicológico. Enquanto isso, países como Austrália e Reino Unido estão estudando leis que garantem o direito do trabalhador de ignorar comunicações da empresa após o expediente.
“É fundamental que as organizações reconheçam a importância da saúde psíquica e ataquem os ofensores: altíssima demanda, posto de trabalho tóxico e recompensas desequilibradas, além de dar suporte adequado aos seus profissionais” enfatiza Ana Tomazelli. A especialista acrescenta que só será possível reverter esses números se houver uma educação começando pelos líderes, para que a empresa reveja seus processos e se adapte.
“Se o topo da hierarquia abordar essas questões de frente, as empresas não apenas melhoram o bem-estar de seus times, mas também fortalecem a resiliência e a produtividade da equipe. Pessoas doentes refletem um local doente”, declara Ana Tomazelli.
A liderança é crucial para criar um espaço de trabalho saudável, mas isso não significa que líderes precisam agir como psicólogos. Em vez disso, devem focar em aspectos como clareza de expectativas, direção da empresa e a eliminação de comportamentos inadequados. No entanto, é essencial que os líderes gerenciem sua própria saúde emocional para serem eficazes.
Empresas que investem em programas de treinamento para líderes, focados em inteligência emocional e gestão do estresse, tendem a ter melhores resultados na implementação dessas práticas. Conforme a OMS, cada US$ 1 investido em programas de saúde mental gera um retorno de US$ 4 em aumento de produtividade e redução de custos relacionados à saúde.
E se o líder também estiver esgotado?
Um estudo da Harvard Business Review revelou que mais de 70% dos novos CEOs experimentam sentimentos de solidão, e essa situação não se restringe apenas aos níveis mais altos da hierarquia. Quando líderes enfrentam esgotamento mental, sua capacidade de apoiar as equipes é prejudicada.
“Nesse cenário, é fundamental que as empresas ofereçam suporte especializado para lideranças, desde o desenvolvimento de habilidades socioemocionais até o apoio nas demandas diárias. Posições de liderança carregam um alto nível de pressão e expectativas irrealistas de desempenho constante”, conclui Renato Herrmann.
10 dicas para implementar um programa de bem-estar psicológico nas empresas
1) Reconhecer a importância da saúde mental
A saúde mental é tão fundamental quanto a saúde física. Um local de serviço que prioriza o bem-estar psicológico cria condições mais favoráveis para a produtividade e o engajamento dos colaboradores.
2) Criar políticas claras e estruturadas
Políticas bem definidas que integrem o equilíbrio emocional devem ser parte essencial da cultura organizacional. Elas precisam abranger desde a prevenção até o suporte em casos de crises, com um enfoque na criação de um ambiente de trabalho seguro e acolhedor.
3) Estabelecer canais de comunicação abertos e acessíveis
É fundamental facilitar a comunicação na empresa por meio de canais que permitam aos funcionários expressar suas preocupações e buscar apoio sem medo de retaliação. Isso inclui a criação de plataformas seguras para discussões confidenciais e a promoção de uma cultura na qual o diálogo sobre saúde psíquica é incentivado.
4) Disponibilizar recursos e suporte adequados
Recursos como programas de assistência ao empregado (EAP), treinamentos em gestão do estresse, workshops sobre resiliência e acesso a profissionais de saúde mental devem ser facilmente acessíveis e adaptados às necessidades dos colaboradores.
5) Definir expectativas e papéis com clareza
A empresa deve garantir que cada colaborador compreenda claramente suas responsabilidades e metas. A ambiguidade pode gerar estresse desnecessário. Portanto, a transparência e a comunicação regular sobre as expectativas são fundamentais para reduzir a ansiedade e melhorar o foco na função exercida.
6) Promover relacionamentos positivos e colaborativos
Uma cultura de respeito, apoio mútuo e colaboração entre os colaboradores deve ser parte da empresa. Relacionamentos saudáveis são essenciais para um local que favoreça o bem-estar mental, reduzindo a incidência de conflitos e promovendo um sentimento de pertencimento.
7) Garantir clareza na direção e nos objetivos do negócio
Os funcionários devem estar sempre informados sobre a direção estratégica da empresa e como seus papéis contribuem para esses objetivos. Isso não só alinha as expectativas, mas também reforça o sentido de propósito, um fator crucial para a satisfação e a motivação.
8) Prevenir comportamentos inadequados e promover um ambiente seguro
É indispensável ter uma política de combate rigoroso contra qualquer tipo de assédio, discriminação ou comportamento tóxico. A criação de um espaço seguro, em que os colaboradores se sintam respeitados e valorizados, é um pilar essencial para a promoção da saúde mental.
9) Personalizar os programas de saúde psicológica para atender às necessidades específicas
Ao desenvolver programas de bem-estar, é necessário considerar as particularidades da organização, como a cultura corporativa, o perfil dos funcionários e os desafios específicos enfrentados por eles. Programas genéricos muitas vezes falham em alcançar resultados significativos; a personalização é chave para a eficácia.
10) Quebrar o tabu em torno da saúde mental
A empresa deve trabalhar para desestigmatizar o tema entre seus colaboradores, promovendo campanhas de conscientização, treinamentos sobre saúde psicológica, e a criação de grupos de apoio. Incentive uma cultura de transparência e confiança, onde todos se sintam à vontade para discutir suas preocupações sem medo de julgamentos ou repercussões negativas.
“Ou seja, um ambiente de trabalho que prioriza o bem-estar mental de seus profissionais tende a ser mais produtivo, inovador e resiliente diante dos desafios do mercado, o que, portanto, aumenta os lucro das organizações ou, minimamente, ‘economiza’ o que a organização já está perdendo com o adoecimento das pessoas”, pontua Renato Herrmann.
Organizações que reconhecem a importância da saúde mental e investem em programas efetivos estão preparando o terreno para um futuro mais equilibrado, no qual a produtividade e a saúde psicológica andam lado a lado, beneficiando tanto os indivíduos quanto a empresa como um todo.
Por Letícia Carvalho