PARIS — Tradicionais na França, as caves são pequenas lojas de vinho, frequentadas por uma clientela ávida por rótulos especiais e atendimento personalizado. Seus proprietários conhecem o gosto dos fregueses, sabem indicar a bebida ideal para cada ocasião e são incansáveis na busca por novas vinícolas, especialmente entre os pequenos produtores.
É um mercado fechado, difícil de entrar, sobretudo para as mulheres. Mas uma brasileira está fazendo história no universo das caves francesas. Pela segunda vez, a capixaba Marina Giuberti, de 46 anos, figura na lista dos 100 melhores cavistas da França, elaborada pela revista Le Point, a partir da avaliação de 6,6 mil estabelecimentos.
Junto com o marido, o economista italiano Emiliano Tenca, Marina é dona da Divvino, cave com duas lojas em Paris — uma no bairro do Charonne, e a outra, no Marais. “Di vino”, do italiano “do vinho”, com o segundo “V”, inspirado na expressão latina “in Vino Veritas”; “a verdade está no vinho”.
De início, ela não pensava em ser apenas sommelière. “Como sempre quis ter meu próprio restaurante, achava que era necessária uma formação completa: cozinha, mesa, vinhos”, conta Marina, em conversa com o NeoFeed. “Mas, no fundo, sempre tive mais o perfil do vinho.”
Antes de abrir a primeira loja, ela estagiou na cozinha de restaurantes no Brasil, na França e na Itália e só depois passou a sommelière. Nesse período trabalhou, por exemplo, no La Calandre, na cidade italiana de Rubano, casa com três estrelas Michelin, e no La Gioia, em Milão, com uma estrela. Nesses endereços, além da arte da mesa, Marina se familiarizou com um serviço de vinhos exigente.
Nascida em uma cidadezinha próxima a Colatina, a 138 quilômetros de Vitória, ela tinha o antigo sonho de um dia voltar para o Brasil e abrir um restaurante.
Mas, já casada com o economista italiano Emiliano Tenca e vivendo em Paris, desde 2006, certo dia, passeando pelo boulevard Voltaire, onde mora, viu uma placa de “vende-se”, em uma cave decadente, chamada Diable Rouge (“Diabo vermelho”). Rapidamente pensou em transformar o “diabo” em Divvino.
Cave do século 16
Graças ao sistema financeiro francês, que tem programas de ajuda e empréstimos a pequenos empreendedores com juros baixos, e um investimento de € 100 mil, a primeira loja foi aberta em 2013 e logo conquistou freguesia no 11º distrito parisiense, na margem direita do Sena, conhecido pela Ópera da Bastilha e pela vida noturna agitada.
Três anos depois, em 2016, o casal partiu para a segunda cave no Marais, bairro secular, muito turístico, famoso pelos restaurantes judaicos e pelas lojas de moda conceituais. Foi a poucos metros do Museu Picasso, que ela encontrou uma loja só de champanhe, algo ousado até mesmo para Paris, a Des Boulles sinon rien (“Bolhas ou nada”).
“O público do 11º é mais jovem e é do bairro mesmo: 85% são moradores e apenas 15% turistas. Já o Marais é um bairro mais burguês, tem mais turistas e quem nos frequenta tem na faixa de 45 anos”, explica Marina.
Com cerca de 70% do portifólio da Divvino composto por vinhos orgânicos (deles, mais de 60% são naturais), a sommelière promove degustações nas duas lojas. No Marais, o serviço acontece no subsolo, em uma cave do século 16. Já no boulevard Voltaire há mesas no terraço. Devido ao grande número de clientes brasileiros, em ambos os endereços, os atendentes falam português.
Na Divvino, há quatro tipos de degustações com vinhos e tábua de queijos e charcutaria: Prestige (€ 160), Terroir (€ 110), Vinhos naturais (€ 75) e Vinhos e fermentados sem álcool (€ 50), incorporada ao cardápio em junho passado.
“Começamos a fazer essa degustação para atender esportistas e pessoas que acompanham amantes do vinhos. Percebi que havia essa necessidade para que pessoas que estão num grupo pudessem também socializar”, conta Marina. “Eu fiquei grávida e amamentei por dez meses, o que significou quase dois anos sem beber e me senti excluída nesse período.”
A maître cavista tem incluído rótulos da Île-de-France, região administrativa onde está Paris, e chama atenção para sua qualidade: “A viticultura na Île-de-France tem raízes antigas, mas muitos vinhedos foram abandonados com o tempo, principalmente após a praga da filoxera, que devastou as plantações no fim do século 19”, lembra.
As vinhas têm sido retomadas basicamente por pequenos produtores e a produção é de 60% de brancos e 40% de tintos. A média de preços fica entre € 20 e € 30. Como ela diz: “Tudo é muito novo, mas são vinhos interessantes, cheios de personalidade devido ao terroir, muito atraentes pela autenticidade local e pela experiência de degustar vinhos produzidos praticamente dentro da cidade”.