Enquanto o mundo celebra o hidrogênio verde (H2V) como o Santo Graal da descarbonização, um outro hidrogênio desponta como uma fonte de energia renovável ainda mais sustentável. Trata-se do hidrogênio geológico.
Chamado também de branco, a sua principal vantagem em relação ao verde é que não necessita ser produzido. Já disponível na natureza, o gás é encontrado no fundo da Terra, sobretudo em falhas tectônicas.
Ainda há um longo caminho até que esse hidrogênio se confirme como combustível do futuro, mas os especialistas estão entusiasmados. Alguns, como a professora Mengli Zhang, da Escola de Minas do Colorado, já preveem inclusive uma nova “corrida do ouro”, como se viu na conferência anual da Associação Americana para Avanço da Ciência, realizada no início do ano.
A agência de geologia dos Estados Unidos, a US Geological Survey (USGCS), estima que existam 5 trilhões de toneladas de hidrogênio branco em reservatórios subterrâneos, espalhados mundo afora. A maior parte seria de difícil acesso, “mas a recuperação uma pequena porcentagem supriria toda a procura projetada — 500 milhões de toneladas por ano — durante centenas de anos”, diz Geoffery Ellis, o pesquisador da USGS, em reportagem do Financial Times, de 18 de fevereiro de 2024.
Com a promessa de movimentar US$ 1 trilhão por ano, nos cálculos dos analistas da USGCS, o gás começa a atrair o interesse dos capitalistas de risco. Fundada em 2021, em Denver, no Colorado, a Koloma vem se destacando como uma das líderes na exploração do composto.
Com operações no Centro-Oeste americano e 16 patentes registradas, a startup já arrecadou mais de US$ 300 milhões. E tem Bill Gates como investidor estratégico. Por intermédio de seu Breakthrough Energy Ventures, focado em patrocinar novas tecnologias capazes de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), em fevereiro passado, o cofundador da Microsoft aportou US$ 91 milhões na empresa de Denver.
A Koloma também atraiu investimentos de outras grandes gestoras climáticas, como a Climate Pledge Fund, da Amazon, e a United Airlines Ventures. Mais recentemente, há dois meses, recebeu US$ 50 milhões da Osaka Gas e da Mitsubishi Heavy Industries (MHI) — o anúncio marcou a entrada das duas gigantes japonesas de energia na corrida pelo hidrogênio geológico.
E a mineração pode ter um papel fundamental na obtenção do composto, já que ele é encontrado em áreas ricas em minerais e minérios — o que, somado à infraestrutura já existente e experiência das grandes companhias, poderia reduzir o custo de exploração.
“Ainda há dificuldade tecnológica para isso, mas é um caminho mais fácil para as mineradoras. É necessário, claro, ter ideia do tamanho da possível reserva”, diz Jaques Paes, professor do MBA de ESG da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em entrevista ao NeoFeed.“É algo promissor, mas ainda com algumas incertezas.”
Ao que tudo indica, a exploração não precisa ser necessariamente muito profunda. No Mali, único país com produção industrial de hidrogênio geológico, o gás usado para iluminar parte do vilarejo rural de Bourakebougou, perto da capital Bamako, vem de poços, cujas perfurações variam de 100 a 1,8 mil metros da superfície.
Lá, o campo de hidrogênio foi descoberto sem querer, durante escavações para encontrar água, nos anos 1980. E, desde 2012, é explorado por uma empresa local, a Hydroma.
Na pauta brasileira
Apesar do entusiasmo em torno das promessas oferecidas pela possível nova fonte de energia, ainda há grandes desafios globais até sua adoção de fato. Um dos principais é mapear as reservas disponíveis no planeta e realizar o trabalho de extração.
Vários países, como os Estados Unidos, já começaram a se mexer. “Isso ainda é novo para todo mundo. A grande diferença é que tem países colocando mais dinheiro nessa exploração”, diz Paes.
Uma pesquisa, realizada pela Engie Brasil em parceria com a Geo4u, detectou a presença de hidrogênio geológico em poços profundos na Bacia de São Francisco, em Minas Gerais. “Ceará, Roraima, Tocantins e a própria costa brasileira, nas formações rochosas, são locais bem promissores”, elenca Paes.
Mas não há sequer dados se os depósitos estariam acima ou bem abaixo da camada de pré-sal, a uma profundidade de mais de 7 mil metros. “Não conhecemos ainda o tamanho de nossas reservas”, diz o professor da FGV. Que elas existem, isso é certo.
De qualquer forma, o hidrogênio branco já está na pauta da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia. “Quanto ao hidrogênio natural, anteriormente considerado marginal, senão inexistente, aparece cada vez mais como uma opção importante a ser explorada pelas empresas de energia no futuro próximo”, lê-se no Plano Decenal de Expansão de Energia 2031, elaborado pela EPE.
Vira e mexe, uma mina
Globalmente, o gás começou a chamar a atenção por seu potencial mais sustentável do que o hidrogênio verde no início de 2023, quando cientistas franceses, em busca de metano, descobriram por acaso uma grande quantidade de hidrogênio branco a 3 mil metros de profundidade.
Desde então, vira e mexe, é anunciada a descoberta de uma nova reserva no mundo. Em fevereiro, geólogos relataram que, de uma mina de cromita na Albânia, fluem 200 toneladas de hidrogênio branco por ano, conforme a reportagem do Financial Times
Outro ponto de atenção quanto à adoção em larga escala do gás, é se ele é potencialmente renovável, já que não há 100% de clareza de que o processo para sua extração pode ser sustentável o bastante para compensar sua exploração.
Se, com as tecnologias disponíveis, a pegada de carbono for alta, os custos ambientais inviabilizam o propósito da produção. Além de encontrar formas sustentáveis de produção do gás em grande escala, ele precisa ter preços competitivos.
Vencidos todos os obstáculos, a levar em conta a empolgação de grande parte dos especialistas, o próximo Santo Graal da transição energética pode ser o hidrogênio branco. Como diz Paes, da FGV: “Ele já está lá. É uma questão de captura. A redução do impacto ambiental será enorme.”