Duplicatas são títulos de crédito que representam uma venda a prazo. Ela é emitida pelo vendedor e entregue ao comprador como comprovante de que existe uma dívida a ser paga. Embora movimente R$ 15 trilhões todos os anos no Brasil, pouco desse montante vira um ativo para o mercado financeiro.
Com ajuda do arcabouço que está sendo criado pelo Banco Central, que está regulamentando e obrigando a escrituração desses títulos, a fintech Seu Ativo decidiu desbravar esse mercado ao criar uma plataforma de checagem, negociação e liquidação das duplicatas.
“Nosso foco é simplificar o processo operacional e fazer a verificação e a validação desses títulos. Já que sem isso a duplicata só serve como garantia de empréstimos entre as partes”, afirma Wagner Murgel, cofundador da Seu Ativo, em entrevista ao NeoFeed.
Murgel, que foi fundador da NEO Investimentos e passou por Citibank, J.P. Morgan, Banco Patrimônio/Salomon Brothers, se uniu Cesar de Souza Lima e Horst Muller para criar a Seu Ativo, um trio com vasta experiência no mercado financeiro.
Lima, por exemplo, desenvolveu e implantou soluções tecnológicas em instituições financeiras internacionais e nacionais. E Muller passou 35 anos na varejista C&A em segmentos relacionados a meios de pagamentos, para empreender.
Os sócios da Seu Ativo perceberam que pequenas e médias empresas não conseguem vender suas duplicatas e usar esse ativo para financiar os seus negócios. Hoje, a antecipação desses recebíveis acontece entre o próprio emissor e o comprador ou entre bancos e gestoras de FIDCs, gerando retornos altíssimos.
As instituições financeiras que acessam esse mercado, em geral, o fazem em papéis que foram originados por elas, para evitar riscos de fraudes, um grande problema desse mercado que o tornou ineficiente.
“Entendemos que a nossa plataforma pode atender diferentes tipos de empresas, mas certamente as empresas médias e pequenas são as que enfrentam mais dificuldade para acessar capital e que podem se beneficiar mais com o aumento da transparência e a segurança que a plataforma traz”, afirma Muller.
A fintech, que participou do programa de aceleração em outubro de 2022 do escritório Pinheiro Neto, entende que esse mercado ficou esquecido porque sofreu com o descompasso entre a evolução tecnológica dos meios de pagamento e a automação dos processos administrativos das empresas – as duplicatas eram confundidas com os boletos e deixaram, muitas vezes, de ser emitidas.
Além disso, permanecer no “mundo analógico” criou assimetria de informação e seleção adversa, ou seja, passaram a ser mal avaliadas por não poderem se destacar das “duplicatas frias”. O risco de fraude por duplicidade ou desvios afastou o mercado financeiro. E é nesse gargalo que a Seu Ativo vai atuar: verificar as duplicatas para trazer segurança à operação.
A solução da fintech captura notas fiscais e seus documentos acessórios para gerar comprovação da transação comercial diretamente com a Secretaria da Fazenda e acompanha automaticamente todas as etapas da transação comercial, inclusive as manifestações do destinatário e as informações sobre o transporte e a entrega.
Em paralelo a isso, a fintech constrói uma base de dados da relação histórica entre o cedente e o sacado, comparando cada nova operação com o padrão existente e identificando e apontando potenciais discrepâncias a partir de modelos estatísticos.
Com os ativos listados na plataforma de forma padronizada, cada duplicata recebe ainda uma qualificação com base nas informações atualizadas sobre a transação comercial original. Com isso, há um ambiente para negociação e liquidação das operações de forma segura.
A Seu Ativo tem como modelo de negócio uma comissão de corretagem da compra e venda das duplicatas. O público alvo inicial é institucional, desde fundos de pensão e family offices a gestoras de recursos, que passam a ter acesso a esse título de crédito com alto retorno antes limitado a um mercado especializado.
Para as empresas é vantajoso dar transparência a tudo para poderem negociar e antecipar esses créditos. Para isso elas só precisam aderir à plataforma, que irá capturar automaticamente todas as informações sobre as duplicatas geradas a partir de então pela empresa diretamente das Notas Fiscais.
Depois, as empresas podem escolher diretamente na plataforma as duplicatas que querem oferecer ao mercado e ainda a possibilidade de indicar com qual desconto estão dispostas a vender.
“Queremos ser o clube dos honestos, das empresas que querem deixar as suas duplicatas transparentes. A empresa colocando os dados na plataforma mostra que ela é transparente e quem trabalha bem poderá ser premiado por isso”, diz Muller.
Em processo de regulação
A regulação das duplicatas escriturais foi revisada em agosto do ano passado e incorporou parte da experiência do processo criado pelo Banco Central para recebíveis de cartão de crédito.
A implantação do modelo prevê uma série de etapas, sendo o ponto de partida a aprovação da convenção entre as escrituradoras e as registradoras.
Esse documento já está em análise com o Banco Central. Procurado pela reportagem, o regulador não deu um cronograma de implementação do processo.
Atualmente, apesar de ainda não existir a escrituração, o Banco Central já habilitou algumas registradoras para efetuarem o registro de duplicatas a partir da solicitação dos próprios financiadores.
Esse registro começou a ser exigido por alguns FIDCs, mas a obrigatoriedade para demais instituições financeiras só vai ocorrer no fim da implementação total do modelo.
Já a liquidação das transações ainda é feita de forma direta entre os participantes, estando prevista dentro da nova regulação que instituições financeiras e registradoras desenvolvam um processo de liquidação específico para assegurar um maior vínculo entre o título (duplicata) e os diversos instrumentos de pagamento.
Na visão da Seu Ativo, o arcabouço regulatório cria a infraestrutura para transformar as duplicatas em ativos mais seguros, mas cabe aos participantes desenvolverem as ferramentas que permitirão um acesso mais fácil aos benefícios desse ambiente. E a fintech quer ser parte disso.
“Queremos facilitar o acesso tanto para cedentes quanto para financiadores, juntando as peças que serão já existem e que ainda serão construídas nesse ambiente mais regulado e para que esses participantes se encontrem de forma segura”, afirma Gurgel.