A incrível (e inspiradora) história do restaurante sem lixeira

A incrível (e inspiradora) história do restaurante sem lixeira


Não faz muito tempo, o chef inglês Douglas McMaster, dono do Silo London, decidiu se desfazer de uma composteira superpotente, capaz de processar 60 quilos de resíduos alimentares por dia. A renúncia à máquina, porém, está longe de ser uma má notícia. É, sim, o sonho de qualquer cozinheiro alinhado aos preceitos da alimentação circular.

No restaurante de Hackney Wick, bairro descolado ao leste de Londres, com vista para o rio Lee Navigation, o lixo é hoje tão pouco que usar o equipamento anularia o propósito da própria compostagem. A reciclagem dos (míseros) 20 quilos de detritos semanais não justificaria a pegada de carbono do aparelho em funcionamento.

É mais ecológico contratar os serviços da startup Pale Green Dot, especializada em transformar restos de comida de cozinhas comerciais em biofertilizante e bioenergia.

A inutilidade da composteira coroa os esforços do incansável McMaster. Depois de mais de uma década de muita pesquisa e experimentação, ele conseguiu chegar ao “jantar de ciclo fechado”, no qual quase 100% dos detritos, depois de reciclados, voltam para a cadeia de suprimentos.

Assim, o Silo conquistou o título de restaurante mais sustentável do mundo — uma casa onde o desperdício é zero.

O chef só não tem o que fazer, por exemplo, com algumas embalagens não recicláveis e com as rolhas e arames das garrafas de vinho e champagne, diz ele, em e-mail ao NeoFeed.

Mesmo assim, esses “erros”, como McMaster define, equivalem a um quinto do volume de rejeitos produzidos, em média, por uma família britânica composta por duas pessoas. Um detalhe: o Silo atende cerca de 50 clientes, a cada noite.

“Erros” porque o lixo é uma invenção humana — na natureza, nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma. “O desperdício é a falência da criatividade”, afirma McMaster.

Ao contrário do que muitos poderiam supor, ao idealizar o Silo, o chef inglês não pensava em sustentabilidade. Em 2011, esgotado física e emocionalmente pelo trabalho em uma “cozinha muito agressiva”, na cidade australiana de Melbourne, ele foi desafiado pelo artista Joost Bakker a criar um restaurante sem lixeira.

“Era menos sobre o meio ambiente e mais sobre a expressão criativa”, diz. “Sinto que, naquela época, poderiam ter me colocado outras tantas propostas, às quais eu teria me agarrado, porque eu estava sufocando pela fossa tóxica que era aquela cozinha.” Calhou de ser Bakker, ele, sim, um notório ativista climático.

Assim, em 2011, o Silo nasceu como um pop-up na Austrália. Três anos depois, o chef mudou o conceito para restaurante permanente e o levou para Brighton, na Inglaterra. Em 2019, se mudou para Londres.

O poder da fermentação

Desde então, o Silo vem colecionando elogios, todos superlativos. O restaurante “mais inovador”, “mais ético”… e por aí vai, até a recente Estrela Verde Michelin, distinção concedida aos restaurantes mais avançados em termos de práticas sustentáveis.

“Se eu tivesse uma marca, não seria desperdício zero ou refeições requintadas, seria criatividade. É disso que eu me alimento”, afirma McMaster. E, foi preciso, sim, muita engenhosidade (e estudo) para levar o Silo ao que a casa é hoje. Não foi fácil, como o próprio empresário reconhece.

Os ingredientes usados no Silo vêm de produtores locais, adeptos da agricultura regenerativa — entregues, naturalmente, em embalagens reutilizáveis ou recicláveis. Para evitar o uso de papel, os pedidos são anotados em azulejos com canetas de tinta lavável. Até aí, O.K.

O sanduíche de sorvete “The Siloaf” é feito com farelo de waffle, pão adormecido e leitelho. As sobras de “The Siloaf”, depois, viram marmite, que, mais à frente, vira shoyu… (Foto: Silo)

Nesses potes, estão os resíduos alimentares produzidos pelos fungos koji (Foto: Silo)

O Silo está localizado no bairro de Hackney Wick, ao leste de Londres (Foto: Silo)

A revolução mesmo começaria com a descoberta de novas maneiras de cozinhar, para garantir o uso máximo do alimento. “Tivemos de aprender na última década como transformar os subprodutos, que normalmente as pessoas jogam fora, não apenas em boa comida, mas em comida com qualidade de restaurante”, lembra McMaster.

A fermentação foi a chave. Em curso há pelo menos 6 mil anos antes de Cristo, a técnica culinária, nos últimos anos, ganhou nova roupagem. Graças aos avanços da biotecnologia, uma das tendências mais fortes do futuro da alimentação é o uso de micróbios geneticamente modificados para a produção de compostos específicos.

E McMaster encontrou no fungo koji um aliado poderoso rumo ao desperdício zero. Originário da China, o microrganismo foi incorporado à culinária japonesa no século 3 a.C. e, desde então, está na base de quase todos os pratos e bebidas fermentadas no país, como o shoyu, o missô e o saquê.

Na cozinha de Hackney Wick, o koji está programado para transformar as espinhas de peixe em gorum, condimento escuro e picante utilizado por gregos, fenícios e romanos durante a Antiguidade para temperar carnes, aves e peixes. Ou as folhas de alho-poró em melaço e o leitelho, em doce de leite.

Antes do micróbio, 20% de um alimento, em média, se perdia ao longo do preparo. Hoje, apenas 1% —  veja na imagem acima a descrição do “The Siloaf”, um sanduíche de sorvete, anunciado como o prato mais zero waste do mundo.

O chef anda tão entusiasmado com o koji que, recentemente, criou a Fermentation Factory, projeto para permitir que empresários locais, donos de restaurantes, padeiros e cervejeiros, entre outros, aprendam como cultivar essas maravilhas microscópicas.

Qualidade, em primeiro lugar

Compartilhar conhecimento, aliás, é quase um mantra para McMaster. Durante a pandemia do novo coronavírus, ele lançou, no Instagram, a Zero Waste School, onde dava dicas culinárias e ensinava sobre a importância da agricultura regenerativa. O chef é autor ainda do livro Silo: The Zero Waste Blueprint (“Silo: O Projeto Desperdício Zero”, em tradução livre).

Até hoje, o chef rejeita veementemente a ideia de ser um “pregador da sustentabilidade” —  ainda que, nos fundos de sua cozinha, seja um alquimista dos alimentos, obstinado na busca por novas formas  (mais inventivas e eficientes) de fazer a cozinha circular; sem deixar nenhuma “ponta solta”.

No restaurante, toda a equipe está avisada: ninguém fala sobre desperdício zero, circularidade e que tais — a não ser que seja questionado. O silêncio do cozinheiro de Hackney Wick é incomum entre os chefs sustentáveis, que, orgulhosos, bradam seus feitos aos quatro ventos — e só falam disso.

“Isso realmente desanima a maioria dos clientes”, diz ele. “As pessoas estão aqui pela boa comida, deixe-as aproveitar a experiência.” Em suas contas, apenas 5% dos que vão ao restaurante são atraídos pelo propósito do zero waste.

Para ele, não há segredo. O Silo prospera por causa de seus pratos e do profissionalismo de sua equipe. “A qualidade tem de vir um pouquinho à frente da sustentabilidade”, afirma McMaster. “Afinal, quão sustentável é um negócio falido?”





Fonte: Neofeed

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