Em pouco mais de duas horas, a cinebiografia A Viúva Clicquot — A Mulher que Formou um Império funciona como uma aula de pioneirismo, inovação e empreendedorismo. Embora a jornada de Barbe-Nicole Clicquot-Ponsardin (1777-1866) siga o molde de um épico tradicional nas telas, o espectador passa a entender melhor o legado da “Grande Dama de Champagne”, que revolucionou o mundo dos espumantes no início do século 19.
Até hoje o processo que ela inventou, batizado de “remuage”, é utilizado na fabricação da bebida — tanto da sua marca, a Veuve Clicquot, quanto da maioria dos demais vinhos brancos espumantes do mercado. Criado há mais de 200 anos, o método é um elemento fundamental para deixar o espumante limpo e cristalino, à altura do produto de luxo que ele é.
Várias cenas do filme, recém-lançado nas salas de cinemas do Brasil, dão uma ideia do seu trabalho incansável da empreendedora. Interpretada pela atriz americana Haley Bennett, a personagem foi construída aqui com base no livro da historiadora Tilar J. Mazzeo, A Viúva Clicquot: A História de um Império do Champanhe e da Mulher que o Construiu, lançado em 2008, nos Estados Unidos.
Mesmo sem que o roteiro não mergulhe nos detalhes mais técnicos, exaltando mais a jornada de uma heroína, o que se vê na tela é uma mulher obcecada pela qualidade e em busca da excelência no seu ramo. Apontada como uma das primeiras a ingressar no mundo dos negócios na França, Barbe-Nicole faz tudo para aperfeiçoar o processo e apresentar uma bebida fina à sociedade burguesa que tinha tomado o poder, após a Revolução Francesa.
A pioneira simplesmente não suportava o aspecto turvo que os espumantes tinham na época, provocado pelas partículas em suspensão. Ou seja, os resíduos decorrentes do processo de fermentação que podiam até gerar aromas indesejáveis na hora de apreciar a bebida.
Daí surgiu a ideia do “remuage”, uma técnica que consiste em posicionar as garrafas de boca para baixo durante o envelhecimento do vinho. Assim, elas podem ser giradas diariamente (de modo manual ou automatizado) para garantir que as impurezas sejam depositadas na saída, próxima à rolha.
Depois do “remuage”, vem o “dégorgement”, que é a degola. O gargalo é então congelado para facilitar a expulsão dos sedimentos. Com a abertura, a pressão interna ajuda a expelir a parte congelada com as impurezas da garrafa, que volta a ganhar a rolha, após a limpeza e a adição do licor de “dosage” — fase em que é definido se o espumante será doce, seco ou meio seco.
Até chegar aos métodos revolucionários, no entanto, a cinebiografia dirigida por Thomas Napper mostra como Barbe-Nicole assumiu, mesmo sendo mulher, o controle do negócio de espumantes. No caso aqui, o vinho foi batizado de champagne por ser o nome da região francesa onde é produzido: Champagne, no norte da França.
Casada aos 21 anos com François Clicquot (Tom Sturridge), um herdeiro de vinhedos, ela passou a se interessar pelo negócio, aprendendo tudo o que podia com o marido, que também se dedicava apaixonadamente à sofisticação da bebida.
Com a morte abrupta dele (supostamente vítima de febre tifoide), a viúva, na época com 27 anos, insistiu para que seu sogro a deixasse no comando, o que foi aceito — inicialmente, apenas em caráter de teste.
O nome que a empresa ganhou mais tarde, Maison Veuve Clicquot, veio justamente do estado civil da empreendedora — “veuve” significa viúva, em francês.
A viuvez, aliás, foi o que garantiu que ela tivesse a oportunidade de tocar o negócio, algo que as mulheres casadas não podiam fazer, de acordo com o rígido Código Napoleônico.
Só as viúvas podiam trabalhar, por precisarem sustentar os filhos. Barbe-Nicole, que era mãe de uma menina, Clementine, rapidamente abraçou essa oportunidade de emancipação.
Mas não faltam problemas, provações e traições pelo caminho da empreendedora no filme — até porque os homens envolvidos na produção não engoliam a liderança de uma mulher.
Um raro aliado da viúva, que investiu todo o dinheiro que tinha no sonho de um espumante refinado, foi Louis Bohne (Sam Riley), um vendedor de vinhos.
Bohne ajudou Barbe-Nicole a cruzar fronteiras, fazendo o seu produto chegar à Rússia, uma prova da visão estratégica da empresária, que já reconhecia o potencial internacional da bebida. E ela tinha razão.
Assim que o czar Alexandre I provou o champagne Veuve Clicquot, ele não quis mais tomar outra coisa, o que ajudou no marketing de bebida perfeita para agradar o paladar exigente da aristocracia. Tudo o que a viúva mais queria.