Antigas minas se transformam em parques e centros culturais

Antigas minas se transformam em parques e centros culturais


No sopé da Serra do Curral, o Parque das Mangabeiras é um dos cartões-postais de Belo Horizonte. Seus 2,4 milhões de metros quadrados (m²) de mata nativa abrigam uma grande variedade de fauna e flora. Não é raro avistar micos, gambás, esquilos e quatis circulando por entre bromélias, jequitibás e gabirobas.

Quem passeia pelos jardins projetados pelo paisagista Roberto Burle Marx dificilmente imagina que bem ali funcionou, entre 1961 e 1979, uma mina de minério de ferro. A única lembrança do passado minerário do lugar está exposto em uma de suas praças: um antigo britador usado pela Ferrobel, empresa de economia mista, que tinha a prefeitura da cidade como seu principal acionista.

Inaugurado em 1982, o Parque das Mangabeiras serve de modelo para o encerramento ideal de um projeto mineral. A céu aberto ou subterrâneas, ao movimentar quantidades enormes de terra, as minas alteram drasticamente as paisagens das regiões onde estão instaladas. Terminada a exploração, a recuperação e reabilitação do ecossistema é tida hoje como uma dos pilares mais essenciais da mineração sustentável.

A quase mil quilômetros da capital mineira, em Curitiba, outro parque, o das Pedreiras, também serve de exemplo para a revitalização de áreas, um dia, exploradas pela indústria da mineração. Com 103 mil m², o lugar abriga o Espaço Cultural Paulo Leminski, o maior auditório ao ar livre da América Latina, e a Ópera de Arame, um dos centros de cultura mais importantes do Brasil.

Como o britador do parque mineiro, em Curitiba, um imenso paredão de pedra não deixa esquecer que, naquele local, a prefeitura operou uma pedreira que, ao longo de três décadas, forneceu material para as empresa de construção civil da cidade.

Os parques das Mangabeiras e das Pedreiras, no entanto, são exceção. Existem hoje, no país, 800 minas desativadas, sem qualquer projeto de recomposição ambiental, conforme estimativas do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Consideradas verdadeiras “bombas-relógios”, as minas abandonadas representam um enorme risco à saúde pública e ao meio ambiente. Em caso de rompimento de uma barragem de rejeitos, pode acontecer a contaminação de córregos, rios e lençóis freáticos. Sem tratamento, os resíduos ameaçam ainda a qualidade do solo.

Como esses lugares não contam com nenhum tipo de supervisão, com o tempo, suas estruturas ficam cada vez mais instáveis e podem colapsar de uma hora para outra.

As regras para o encerramento de um projeto minerário de forma segura e responsável estão esmiuçadas na resolução número 68, de 2021, da Agência Nacional de Mineração (ANM), ligada ao Ministério de Minas e Energia.

Por lei, todo trabalho de recuperação cabe às mineradoras, mesmo quando a área explorada foi arrendada, frisa Julio Nery, diretor de Sustentabilidade do Ibram, em entrevista ao NeoFeed.

E, entre as medidas exigidas, está a obrigatoriedade de apresentação do Plano de Fechamento de Mina (PMF) antes do início das atividades da mina — informações que devem ser revisadas e atualizadas ao longo de toda a exploração.

Devem constar do documento, além de alternativas viáveis para a desativação, as estimativas de gastos com a recuperação da área pós-mineração. Para que o plano realmente funcione, é essencial incluir as comunidades locais na discussão do que será feito da mina depois de seu fechamento.

Nem sempre as exigências são cumpridas. “Infelizmente temos maus exemplos, com casos em que as empresas quebraram e deixaram para o Estado tomar à frente”, diz Nery.

Uma solução seria cobrar uma garantia financeira das mineradoras já no momento de abertura da mina. “Uma espécie de seguro, garantindo sua recuperação, ao fim de sua vida útil. Mas ainda não adotamos essa prática no Brasil”, explica Hernani Mota de Lima, professor do Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em conversa com o NeoFeed.

Como o governo federal não se movimentou nesse sentido, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou à ANM que regulamente o provisionamento financeiro para o fechamento de minas no Brasil.

Antes de adotar a medida, a agência abriu uma consulta pública em seu site, em 25 de novembro, para receber sugestões para a proposta de regulamentação das garantias financeiras na execução dos fechamentos de forma adequada. O prazo para envio de sugestões vai até 22 de fevereiro de 2025.

Entre os pontos, estão a cobertura total das garantias em até 15 anos e a reavaliação do valor garantido a cada cinco anos.

Em Curitiba, o Parque das Pedreiras, onde está localizada a Ópera de Arame, abrigava uma mina que, por 30 anos, forneceu material para as empresas de construção civil da cidade

Um dos grandes entraves ao fechamento adequado dos projetos minerários no país é a falta de recursos e escassez de mão-de-obra técnica para uma fiscalização mais efetiva.

Esse dinheiro deveria vir da chamada Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), uma contraprestação paga pelas companhias mineradoras pelo uso econômico dos recursos minerais. Responsável pela fiscalização, a ANM tem direito a um orçamento anual correspondente a 7% do CFEM — algo em torno de R$ 400 milhões anuais.

Atualmente, porém, os repasses chegam a, no máximo, R$ 90 milhões, por causa de contingenciamentos de recursos federais. E a agência conta hoje com 680 funcionários para atender todo o Brasil, quando deveria ter pelo menos o triplo desse número.

Para minimizar parte desse problema, a ANM lançou, em 22 de novembro, edital de concurso público para contratação de 40 analistas administrativos e 180 especialistas em recursos minerais. A ideia é melhorar a eficiência na fiscalização das mineradoras.

Os países mais avançados tanto na legislação quanto no controle das exigências para o fechamento de minas são Estados Unidos, Austrália e Canadá. As mineradoras são obrigadas garantir o dinheiro a ser usado no fechamento de uma mina, antes de abri-la.

Finalizar um projeto de exploração mineral não é fácil — como também não é iniciá-lo. Mas o trabalho deve ser encarado pelas mineradoras como uma nova fase do projeto. Um dos desafios refere-se à topografia da região onde as minas estão instaladas, em geral, muito acidentadas, explica o diretor do Ibram.

“Há casos em que as empresas fazem acordos com donos das áreas para saber como querem receber o local. E tentam pelo menos deixar a área mais uniforme, para que possam usar, por exemplo, na agricultura”, diz o executivo.

Outro ponto de atenção é em relação à drenagem ácida. Um dos impactos ambientais mais graves da mineração, trata-se de uma solução aquosa e ácida, proveniente do contato de minerais sulfetados com a água, muito comum em minas de ouro e de cobre.

As escavações mais profundas, frequentemente, atingem o lençol freático. Enquanto a área está em uso, a água é bombeada para fora da cava. Do contrário, é impossível trabalhar. Uma vez encerradas as operações, deixada a seu próprio curso, a água acumula e pode contaminar os mananciais hídricos.

“Para evitar que isso aconteça, é preciso construir estruturas de barragens, de modo a fazer o tratamento do material, incluindo a impermeabilização do espaço”, explica Nery.

Os parques das Mangabeiras e das Pedreiras estão aí para mostrar que as minas desativadas podem ter um bom destino. Um fim social e ambientalmente responsável.





Fonte: Neofeed

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