Os micróbios são os melhores amigos da humanidade no processo de transição energética. Graças aos avanços da biotecnologia e da microbiologia, esses seres minúsculos, invisíveis a olho nu, têm se revelado uma ferramenta poderosa para tornar os processos industriais mais limpos.
Pela natureza da atividade e sua importância para a transição energética, a mineração é um dos setores que mais tem a ganhar com as inovações proporcionadas pelos microrganismos, em especial as bactérias. Com, no máximo, 0,75 milímetro de tamanho, elas são usadas na produção de substâncias que facilitam a extração mineral. Bem-vindos ao universo (microscópico e silencioso) da biomineração.
Os micróbios são usados sobretudo na lixiviação. Funciona assim: quando é extraído de uma mina, o minério vem misturado a outros compostos, constituintes da rocha. O cobre, por exemplo, é encontrado na forma de calcopirita, um sulfeto de cobre e ferro.
A separação (no jargão minerário, lixiviação) é feita por um processo químico, que envolve o uso de substâncias tóxicas. Em linhas gerais, essas substâncias dissolvem o sulfeto, liberando o cobre puro. Na biomineração, os solventes são produzidos por bactérias — e como a maioria das operações usa comunidades microbianas naturais, os riscos de contaminação do meio ambiente são considerados baixos.
O conceito não é novo e já foi testado com êxito por grupos de pesquisas em diversos partes do mundo, inclusive no Brasil. Mas ficou restrito aos laboratórios dos centros de pesquisa.
“Apesar de eficientes, as estratégias de uso de microrganismos na mineração não se mostraram economicamente viáveis”, diz Cláudio Lúcio Lopes Pinto, professor do departamento de Engenharia de Minas, da Universidade Federal de Minas Gerais, em entrevista ao NeoFeed. Na década de 1990, ele fez parte de um grupo que investigou a lixiviação do ouro a partir do uso de bactérias.
Agora, frente a necessidade premente da descarbonização da economia, os cientistas voltam a olhar para a biomineração. E aliam as soluções já conhecidas a tecnologias mais modernas, como sequenciamento genético dos microrganismos, inteligência artificial e big data.
“Os novos recursos de energia renovável e de baixo carbono estão exigindo metais e minerais de forma exponencial. Mas a extração desses elementos críticos, como cobre, cobalto, níquel e elementos de terras raras, entre outros, está se tornando a cada ano mais difícil e exigente em energia”, escrevem pesquisadores da Universidade do Chile, no artigo Biomining of metals: new challenges for the next 15 years, publicado na revista especializada Microbial Biotechnology.
E eles completam: “O declínio na qualidade dos recursos geológicos, especificamente o aumento de minerais de baixo teor, criou um cenário em que as empresas de mineração devem fazer grandes esforços para manter seus níveis atuais de produção”. As “bactérias mineradoras”, como apontam os especialistas, podem ser de grande serventia no cenário atual e futuro.
Ainda uma parte pequena da indústria minerária, a biomineração é usada sobretudo quando a quantidade do material desejado em uma rocha é pequena ou para minerá-lo dos resíduos resultantes da prática tradicional. O Chile é um bom exemplo.
Produtor de um terço de todo o cobre do mundo, o país já esgotou os minérios mais ricos no metal. A biomineração é cada vez mais usada para fazer a extração de cobre de depósitos com baixas porcentagens do composto.
A expectativa é de que, com o aperfeiçoamento e barateamento das novas tecnologias, os microrganismos ganhem passo a passo mais espaço na indústria. Avaliado em US$ 8,5 bilhões, em 2023, o mercado global deve movimentar US$ 24,6 bilhões, em 2032, evoluindo até lá a uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 12,53%, conforme cálculos da consultoria Market Research Future.
“Pequenos super-heróis olímpicos”
Outro sinal do avanço da modalidade é o número crescente de startups dedicadas ao tema. Em levantamento de agosto, a Climatehack, comunidade global de conexão entre empreendedores e financiadores climáticos, catalogou 25 empresas — com grande parte delas fundada a partir de 2017.
Entre elas, está a americana Endolith. Sediada em Denver, no Colorado, integra o ecossistema de inovação da UpLink, aceleradora de negócios sustentáveis ligada ao Fórum Econômico Mundial. Desde seu lançamento, em 2023, já levantou US$ 5,3 milhões, junto aos capitalistas de risco, aponta relatório da plataforma Crunchbase.
Criada com o propósito de explorar biolixiviantes, como são chamadas as substâncias químicas produzidas por micróbios na extração mineral, a startup é liderada por Liz Dennett.
Eleita uma Top Innovator, a CEO acumula mais de 20 anos de experiência no ramo de energia. Trabalhou na NASA, a agência espacial americana, e tem uma formação curiosa: é astrobióloga. Trata-se de uma área recente da ciência, que envolve conhecimentos de biologia, química, física, astronomia e geologia para investigar a origem da vida na Terra, seu futuro e sua relação com o ambiente astronômico.
“Os microrganismos são os mineradores mais antigos da natureza. Eles passaram por bilhões de anos de evolução para descobrir como resolver todos os tipos de processos e têm minerado metais das rochas por bilhões de anos”, diz ela, em vídeo divulgado na plataforma da UpLink.
A cientista defende a importância da mineração de minerais críticos, sobretudo o cobre, fundamental no desenvolvimento social de comunidades vulneráveis, com pouco ou nenhum acesso à energia, e a consequente importância do metal para a transição energética.
A biomineração, garante a empresária, pode executar essa tarefa da maneira mais sustentável, minimizando o impacto da atividade convencional. “Em vez de procurar formas de despejar mais produtos químicos, nós transformamos esses microrganismos em pequenos super-heróis olímpicos usando técnicas como evolução adaptativa de laboratório”, defende Liz.
Turbinados nas bancadas de pesquisa, os microrganismos são capazes de acessar e resistir ambientes extremos, como aqueles com escassez hídrica e/ou com alto teor de arsênio, tóxicos à maioria das formas de vida. “Em vez de comprometer o uso da água doce que, em última análise, precisa ir para os seres humanos, com os microrganismos, podemos realmente explorar maneiras de sermos sustentáveis”, completa ela.
Além de evoluir as pesquisas em laboratório, a Endolith está em fase de negociação com clientes para desenvolver “bactérias mineradoras” adaptadas às necessidades específicas de cada um deles. Pois é, a biomineração, além de invisível e silenciosa, pode ser também personalizada.