Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) espera o pagamento dos R$ 28,6 milhões em multas para liberar o funcionamento do X no Brasil, chega ao país o livro Limite de caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter. Escrita pelos repórteres americanos Kate Conger e Ryan Mac, do jornal The New York Times, a obra traz uma investigação minuciosa sobre o destino que o bilionário deu a uma das redes sociais mais populares de todos os tempos.
Em quase 500 páginas, eles revelam, pela primeira vez, os bastidores da aquisição da empresa fundada, em 2006, por Jack Dorsey, Evan Williams, Biz Stone e Noah Glasseles — e suas consequências políticas, sociais e financeiras. A compra do Twitter por Elon Musk foi concluída em outubro de 2022, por US$ 44 bilhões, e seguiu um processo polêmico, cujos detalhes mostram uma transação incomum no mundo dos negócios.
“A aquisição veloz não teve precedentes culturais ou sociais. Esse tipo de transação não costumava ser realizado por uma única pessoa: apenas corporações ou gestoras de capital privado compravam empresas daquele tamanho”, avaliam Kate e Ruan. “Mas Musk tinha atingido um pico de fortuna do qual poucos titãs conseguiram se aproximar, e as regras dos negócios tradicionais não se aplicavam mais a ele”.
O empresário sempre foi um dos usuários mais ativos da plataforma, tuitando sem papas na língua sobre todos os assuntos. Mas Musk estava insatisfeito com os rumos tomados pela rede, contaminada por um suposto espírito progressista de censura que, segundo ele, ameaçava a democracia. Imbuído da defesa da liberdade de expressão “absoluta”, em janeiro de 2022, começou a comprar ações da empresa, para nove meses depois, assumir seu comando.
O retrato do dono da Tesla e da SpaceX traçado pela dupla de repórteres não é nada lisonjeiro — um homem controverso, inconstante e sem limites para satisfazer seus desejos e suas convicções políticas. Não à toa, o título do livro em inglês faz um jogo com a palavra “character”, que significa tanto “caractere” quanto “caráter”.
Além de dezenas de entrevistas, Kate e Ryan recorreram a documentos inéditos, que mostram o caos que se instalou quando o empresário assumiu a empresa com sanha revolucionária. Ninguém sabia o que ele tinha em mente. Em pouco tempo, não só demitiu metade dos funcionários, cerca de 3,7 mil pessoas, como afastou anunciantes, comprometendo a base do negócio do Twitter.
Hoje, o X está mergulhado em dívidas. Em fevereiro passado, a Fidelity avaliou a plataforma em US$ 11,8 bilhões — uma desvalorização de 73% desde o momento em que Musk assumiu a companhia.
Em meio a boatos de que manipularia informações, o primeiro gesto de Musk como líder da rede social foi aderir a uma teoria da conspiração grosseira. Ele espalhou na empresa uma reportagem falsa sobre o marido de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. O texto sugeria que ele havia sido atacada dentro de casa por um homem perturbado, com quem tinha um relacionamento amoroso.
“Aquele era o tipo de mentira tão absurda que só seria levada a sério por alguém de cabeça fraca”, escrevem os jornalistas, “radicalizado pelas muitas horas que passava todos os dias na internet, isolado na própria bolha. Para observadores das mídias sociais, Musk parecia ser um desses conspiracionistas facilmente ludibriados”.
Segundo Kate e Ryan, enquanto a maioria dos bilionários da indústria da tecnologia costuma gastar dinheiro com iates, clubes esportivos e ilhas longínquas, entre outros caprichos, Musk cobiçou um megafone, pelo qual se faria ouvir por mais de 80 milhões de pessoas.
Para os repórteres, o amor que o bilionário tinha pelo Twitter era fácil de entender: “Todos os dias, durante horas, ele ficava navegando pela rede: lia postagens, ria de memes e disparava pensamentos em fluxo de consciência, como qualquer outro usuário. Ele se extasiava com o engajamento que recebia, e, como aconteceu com muitos outros tuiteiros hardcore, a plataforma se tornara um vício”.
A diferença entre ele e outros usuários do Twitter obcecados pela injeção constante de dopamina, dizem os autores, no entanto, era que Musk tinha os meios para controlar o seu vício e o desejo de recriá-lo à sua imagem e semelhança. “Seria seu brinquedo, mas que poderia custar bem caro e com consequências desastrosas para vários países, inclusive os Estados Unidos”, lê-se em Limite de Caracteres.
“Amigos e comparsas”
A narrativa do livro vai até maio deste ano e faz revelações sobre o apoio de Musk a Donald Trump: “Trump precisava de um investidor para turbinar a campanha presidencial, e Musk acreditava que o candidato republicano era a melhor solução para evitar mais quatro anos de Joe Biden no poder”.
O empresário, dizem os jornalistas, picotara o Twitter de tal forma até transformá-lo no X, “que nada mais era do que um lugar onde todos os seus amigos e comparsas podiam ter contas verificadas, onde seus gurus favoritos tinham a chance de viralizar e onde as postagens que ele próprio fazia eram as mais curtidas, as mais visualizadas e as mais populares na plataforma”.
Musk também abriu a porteira para receber perfis que haviam sido banidos, como os de Alex Jones e de vários outros supremacistas brancos. “Vez ou outra, ele interagiu com essas pessoas desprezíveis, fazendo com que elas ganhassem não só ‘liberdade de expressão’ como também um alcance ainda maior”, dizem os autores.
Enquanto isso, “a plataforma continuava a suspender contas de jornalistas e a processar qualquer um que tentasse expor a podridão de discurso de ódio e informações falsas na qual a rede social se transformara. O bilionário tinha alcançado um patamar de sucesso nunca visto de liderar a revolução dos automóveis elétricos e os esforços para fazer a raça humana superar as fronteiras do planeta Terra”.
E é claro que ninguém além dele teria a motivação e os recursos financeiros necessários para comprar uma plataforma, com alcance no mundo inteiro, só porque queria “proteger” a liberdade de expressão, apontam Kate e Ryan.
Essa, no entanto, era uma missão que Musk criara para si próprio: “Foi assim que cometeu a asneira de comprar o Twitter por um valor altíssimo, só para poder controlar uma plataforma de internet disponível no mundo todo e comensurar o valor do próprio ego em curtidas e respostas”.
Como observam os repórteres: “Um homem que não suportava receber críticas havia comprado o maior público do mundo, e queria que todo mundo batesse palmas para ele. Não era um desejo sem precedentes, afinal, muitas pessoas que usam as redes sociais estão lá porque também buscam algum tipo de validação do universo. E por alguns breves instantes fugidios, teve nas mãos aquilo que tanto queria. Ele era o dono do Twitter até que o Twitter deixou de existir”.