Como fica o Brasil após queda dos mercados globais, na visão do ex-BC Tony Volpon

Como fica o Brasil após queda dos mercados globais, na visão do ex-BC Tony Volpon


O economista brasileiro Tony Volpon acompanhou de perto a crise financeira que sacudiu os mercados globais na segunda-feira, 5 de agosto. Ex-diretor do Banco Central, Volpon vive em Washington, nos Estados Unidos, onde leciona na Universidade Georgetown.

Segundo ele, o que está por trás da queda de 12% do índice Topix, da Bolsa de Tóquio – o maior tombo do mercado financeiro do Japão desde 1987 -, é um grande movimento de desalavancagem de investidores globais, principalmente americanos, que investiam no iene desvalorizado e os juros zerados no Japão.

Para Volpon, ainda é cedo para prever onde a crise iniciada nesta segunda-feira vai parar, mas ele admite que uma recessão nos EUA é possível. O ex-diretor do BC acredita, no entanto, que há um efeito positivo desse episódio que pode ajudar o Brasil.

“O que interessa, para nós, seria uma recessão leve nos EUA, pois causaria uma queda de juros nos EUA e do dólar globalmente. Com isso, haveria fluxo de investimentos para outros lugares que hoje estão relativamente muito baratos em relação aos EUA, como o Brasil”, afirma Volpon, nesta entrevista ao NeoFeed.

O economista desenha dois cenários: no otimista, a desavalancagem vai ajudar a corrigir preços dos mercados (inclusive da bolsa americana) e, com o Fed cortando juros, a situação se normalize. No pessimista, a crise financeira se aprofunda, gerando uma recessão nos EUA.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O que impulsionou essa liquidação de ações no mercado global?
Tem a ver com a crise iniciada na sexta-feira [2 de agosto], com a divulgação de resultados ruins de emprego e perda de valorização das ações das big tech nos EUA, e ganhou corpo nesta segunda-feira, com a queda recorde de 12% do índice Topix, da Bolsa de Tóquio.

Qual a ligação entre os dois eventos?
Um trade que ficou muito popular entre os fundos americanos era ficar comprado nas empresas tech ligadas à temática da inteligência artificial, as Sete Magníficas, fazendo funding no iene japonês. Como se sabe, o Banco do Japão (BoJ, o banco central japonês) se destacou quando teve aquela onda inflacionária global – todo mundo subiu os juros, mas o BoJ os manteve zerados. Isso desencadeou uma tendência de desvalorização do iene. Neste caso, o investidor estava ganhando dinheiro na parte passiva da estratégia, pela desvalorização do iene e também porque havia juro zero no Japão. Mas ocorreu uma virada, em parte causada pelo fato de que o BC japonês subiu os juros na semana passada, numa decisão dividida. Isso causou uma surpresa, desencadeando uma valorização muito forte do iene.

“Muitos fundos americanos ficaram comprados nas empresas tech fazendo funding no iene japonês”

Como isso impactou no mercado de ações dos EUA?
Em função da divulgação de resultados de alguma dessas empresas tech dos EUA nos últimos dias, já havia um certo questionamento quanto a esse otimismo, que agora parece exagerado, em relação à questão da inteligência artificial, com vários analistas olhando para as empresas e questionando os gastos de rios de dinheiro sem nenhuma receita equivalente. Com isso, houve perdas pelo lado passivo da estratégia, com a valorização do iene, e uma enxurrada de investidores ao mesmo tempo querendo zerar essa estratégia.

Ou seja, já vinha ocorrendo uma correção nas ações da indústria tech dos EUA?
Sim, a dúvida é o que deu o grande estalo da valorização do iene: se foi o BC japonês elevar os juros ou se já tinha gente zerando as posições em ienes em função de ter zerado a posição na bolsa americana.

Isso tende a afetar o desempenho da economia dos EUA?
Parte da história do que está acontecendo é que talvez seja uma boa notícia. Não é que o mercado se convenceu de que vai ter uma recessão nos Estados Unidos e está zerando tudo – na verdade, o risco de recessão obviamente subiu. Mas havia outras coisas acontecendo ao mesmo tempo que levaram a essa forte desalavancagem que estamos vendo em vários mercados. É possível que as coisas se acalmem depois da desalavancagem.

Quais os efeitos mais previsíveis para o Brasil, no curto e médio prazo, com essa queda de mercado?
Uma recessão-padrão nos Estados Unidos é uma boa notícia para o Brasil, pois vai ter uma queda de juros nos EUA e do dólar globalmente. O que tem prejudicado a nossa bolsa e outras bolsas ao redor do mundo é que todos só querem botar dinheiro nos Estados Unidos. Com o dólar subindo, ganha-se no dólar e ganha-se na bolsa dos EUA – todo mundo comprado nas 5 grandes big techs e fazendo funding em iene. Numa eventual trajetória de queda da bolsa americana, com juros mais baixos e dólar menor, sai dinheiro dos Estados Unidos para outros lugares que hoje estão relativamente muito baratos em relação aos EUA, cuja bolsa ainda está cara. É o caso do Brasil.

E uma recessão nos EUA com crise financeira, muda o quadro?
Em caso de crise financeira, o efeito é inverso: mais dólares devem ir para os EUA. O comportamento do câmbio no Brasil nos últimos dias tem sido bastante volátil, mas não tem disparado para R$ 6. O mercado tem percebido isso. Então, quando a situação desta segunda-feira parecia que ia pelo lado da crise, o dólar subiu. Depois, quando a situação melhorou, o dólar caiu. Vai depender do tipo de recessão que pode ocorrer nos EUA.

“Uma crise financeira grave nos EUA é ruim para o Brasil, pois deve aumentar fuga de dólares”

Quais os cenários possíveis daqui para frente?
O cenário otimista: todo mundo desalavanca – vale lembrar que a desalavancagem é um processo que acontece rapidamente. Assim, os preços têm uma certa correção, mas a economia ainda está indo relativamente bem. Por outro lado, a tendência é o Fed cortar os juros mais rapidamente e as coisas se estabilizarem. Talvez não vá ser aquela pujança que tínhamos nos mercados algumas semanas atrás, mas não é nenhum desastre.

E o cenário ruim?
Esse choque financeiro desacelera a economia ainda mais porque a bolsa americana tem impacto muito grande sobre a economia – lembrando que, nos Estados Unidos, metade da população tem dinheiro na bolsa. Se a bolsa despencar, caso esse processo de desalavancagem seja mais profundo do que só um, dois dias, isso vai desacelerar uma economia que já estava desacelerando, aí de fato se configura uma recessão. Como a recessão faz a bolsa cair, temos um processo que se autoalimenta: queda da bolsa, queda do consumo, recessão e queda maior de preço de ativos. Esses são os dois cenários que estão se desenhando. Vamos ter que acompanhar os mercados para ver qual deles vai vingar.

O movimento atual de desalavancagem, portanto, não permite prever se os EUA entrar em recessão?
Os dados de sexta-feira nos Estados Unidos simplesmente reforçaram o fato de que talvez a economia não esteja indo tão bem. Esse tipo de notícia frente a uma bolsa que estava extremamente cara, como está a americana, gera esse tipo de correção que temos visto nessas últimas 24 horas: liquidações e desalavancagem de vários trades que eram muito populares até agora.

O Fed está demorando para baixar os juros?
Frente ao que está acontecendo nesta segunda-feira, sim…Antes da última reunião do Fed já tinha gente dizendo que deveria começar a cortar os juros. Mas era uma opinião minoritária, grande parte do mercado estava no soft landing, na base do “pode ir devagar”. Muita gente estava argumentando pelo corte de juros em função da boa performance da inflação, não porque a economia estava fraca. Agora, o consenso mudou: precisa cortar juros o mais rápido possível.

Qual a expectativa de cortes?
Mercado já fala em 0,5 ponto percentual em setembro e 0,5 ponto percentual em novembro, em comparação a cortes de 0,25 ponto percentual que eram previstos.

Você acha que é possível o Fed antecipar, e não esperar setembro para fazer isso?
Não. Se cortarem entre reuniões teria de ter ou uma crise financeira ou muito banco quebrando. Ou então quedas muito maiores na bolsa, como S&P 500 caindo 20%, um caso assim. A Nvidia, que está caindo 5%, sustenta uma alta no último ano de 108%. Teria de cair muito para o Fed ter uma reação.





Fonte: Neofeed

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