Em São Paulo, mais um lote do “pacotaço” de concessões começa a sair do papel

Em São Paulo, mais um lote do “pacotaço” de concessões começa a sair do papel


O governo paulista deu início na terça-feira, 29 de outubro, à última rodada de leilões do ano, no valor de R$ 19,1 bilhões, envolvendo no total cinco concessões e parcerias público-privada (PPPs) nas áreas de mobilidade, educação e loterias.

Protestos do lado de fora do prédio da B3, no centro de São Paulo, marcaram o primeiro dos dois leilões de PPPs para a construção de 33 novas unidades escolares, que atenderão 35 mil estudantes dos ensinos fundamental e médio.

O lote para a construção de 17 escolas foi arrematado pelo Consórcio Novas Escolas Oeste SP, formado por Engeform e Kinea, com deságio de 21,43% do valor máximo proposto no edital, de R$ 15.259.964. O segundo lote ocorrerá na segunda-feira, 4 de novembro.

Os demais leilões, a partir de quarta-feira, 30 de outubro, são de concessões de trechos rurais de rodovias estaduais – incluindo trechos da Raposo Tavares e da Castello Branco -, das chamadas Rota Sorocabana e Nova Raposo, além da transferência de gestão de serviços lotéricos.

A rodada atual, que termina no próximo mês, consolida uma das marcas da atual administração estadual – a transferência de gestão de ativos públicos para a iniciativa privada.

Desde janeiro de 2023, quando o governador Tarcísio de Freitas assumiu o Palácio dos Bandeirantes, a Secretaria de Parcerias em Investimentos (SPI) do governo estadual já modelou ou qualificou um total de 24 projetos prevendo R$ 470 bilhões em investimentos no longo prazo, entre privatizações, desestatizações, concessões e PPPs.

Desses, 10 projetos já tiveram leilão realizados ou estão em fase final para serem oferecidos à iniciativa privada, assegurando a maior parte (mais de R$ 350 bilhões) dos investimentos previstos – sendo que o grosso desse total, R$ 260 bilhões a serem gastos até 2060, já foi confirmado por conta da desestatização da Sabesp.

O leque de iniciativas de repasse para iniciativa privada inclui da ampliação das redes metroviária e ferroviária à gestão de parques públicos urbanos, passando pela construção de casas populares, escolas, desestatização da Sabesp, privatização da Emae (companhia de agua e esgoto) e construção do túnel Santos-Guarujá, além da concessão de rodovias, entre outros projetos.

Especialistas consultados pelo NeoFeed fizeram um balanço positivo do pacotaço de concessões e PPPs do atual governo paulista, tanto pela modelagem adotada como pela diversidade de setores repassados para gestão privada.

Gustavo Gusmão, sócio da EY especializado na área de governo e infraestrutura, observa que o programa paulista de parceria de investimentos consolida uma nova tendência da gestão pública de viabilizar projetos de infraestrutura, que passam a ter apoio da população.

“A discussão ideológica em torno do tema privatização ficou para trás, uma vez que já existe a percepção do próprio usuário, que consegue ver exemplos de sucesso num cenário de esgotamento de recursos públicos”, diz Gusmão, citando outros estados com programas em curso até há mais tempo. “As PPPs de infraestrutura na Bahia ou para construção de escolas em Belo Horizonte são exemplares.”

Segundo ele, o programa avançou em São Paulo devido à pujança econômica do estado aliada à capacidade de gestão do governo estadual, o que atrai investidores. Gusmão cita ainda alguns fatores que ajudaram a impulsionar o pipeline paulista. Um deles, a modelagem dos contratos, inspirados no sucesso das concessões rodoviárias, iniciadas há décadas.

“Elas evoluíram até atingir uma sofisticação, com participação de fundos de investimentos, regras que dão segurança jurídica, como inclusão de riscos de demanda – com tolerância até atingir muito acima ou abaixo para acionar o equilíbrio econômico-financeiro – e as inovações, como a adoção do free flow”, diz Gusmão, citando um exemplo de inovação do leilão atual da Rota Sorocabana, que incluiu no edital a construção de ciclovias.

Planejamento e gestão

Guilherme Reisdorfer, especialista em infraestrutura do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini Advogados, lembra que a maioria dos projetos de passagem de gestão para o setor privado do governo paulista é de longo prazo, ou seja, ainda é cedo para saber se vão dar certo ou não. “O importante é ter planejamento e gestão de contrato “, afirma ele.

Mesmo assim, Reisdorfer diz que é possível avaliar a tendência comparando alguns certames estaduais com os federais. Ele cita como exemplo a ideia do governo federal de realizar concessões rodoviárias “light”, com investimentos e tarifa de pedágio menores para rodovias com menos tráfego, sem obrigar o concessionário a oferecer ambulância ou guincho.

“O leilão das concessões da Rota Sorocabana, que envolvem trechos locais de rodovias, tiveram quatro interessados e o governo estadual não abriu mão do modelo de construir viadutos, com capex intensivo”, diz Reisdorfer.

Do atual pipeline paulista, Reisdorfer afirma que em meio à grande quantidade de projetos, nem todos foram positivos. Ele compara o sucesso da privatização da Emae, com competição acirrada, ao leilão do Trem Intercidades, que teve só um licitante, com ágio de 0,1%. Mas classificou como “louvável” a iniciativa do governo estadual em romper uma nova fronteira, a do transporte sobre trilhos para passageiros.

A desestatização da Sabesp também chamou a atenção dos especialistas. Houve muita polêmica sobre a modelagem do leilão na época de sua realização, em julho deste ano. Além do preço da ação no lote oferecido ao acionista de referência, de R$ 67 – muito abaixo da média negociada na B3 no mesmo dia, de R$ 83 -, o certame teve apenas um concorrente, a Equatorial, com pouca experiência em saneamento.

A despeito das críticas, o total arrecadado no processo de privatização, R$ 14,7 bilhões, representou a maior operação do mercado de capitais no País em 2024.

O temor de que a empresa perderia valor com a negociação também não se concretizou. Na semana passada, após uma reunião com o novo CFO da companhia, Daniel Szlak, agentes do mercado ligados a bancos reforçaram aposta nos papeis da Sabesp.

De acordo com relatório do Itaú BBA, as ações da empresa estão avaliadas atualmente na casa dos R$ 91, com uma expectativa de valorização de 57,5%, para R$ 143,40, até o final de 2025. O Goldman Sachs reiterou sua recomendação de compra para a Sabesp, com um preço-alvo de R$ 134,30 por ação, com potencial de alta de 47,5%.

“Foi uma operação complexa e difícil de opinar, pois o estado permanece com participação na empresa – ou seja poderá lucrar com a valorização das ações – e os objetivos de médio e longo prazo, a universalização da coleta e tratamento de esgoto, serão mais rápidos de serem atingidos com a desestatização”, diz Reisdorfer.

Gusmão, da EY, diz que com a desestatização da Sabesp o governo paulista vai conseguir antecipar a meta de saneamento. “Isso sem aumentar a tarifa, o que dá para divulgar que São Paulo faz diferente”, diz, lembrando que o caso da Sabesp é exemplar por expor que não há alternativa para outros estados que não seja o investimento privado em saneamento.

Leilões concorridos

A atual rodada de cinco leilões –  o último no dia 30 de novembro – tem tudo para confirmar o apetite do mercado pelos ativos oferecidos pelo governo paulista.

As concessões rodoviárias são as que devem atrair maior concorrência. O primeiro leilão, previsto para quarta-feira, 30, oferece 460 quilômetros de 12 rodovias da Rota Sorocabana, na região sudoeste de São Paulo.

Trata-se da concessão de trechos rurais operados atualmente pela ViaOeste que vão incluir estradas sob gestão do DER-SP (Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo). O investimento é de R$ 8,8 bilhões.

O projeto prevê duplicação de vias, implantação de faixas adicionais, novas passarelas, acostamentos e pontos de ônibus nas marginais das rodovias, com redução média de 22% do preço do pedágio.

O leilão inclui trechos da Raposo Tavares e da Castello Branco, duas das principais rodovias que ligam a capital paulista ao interior. Quatro empresas apresentaram propostas: CCR, Pátria, EPR e Ecorodovias.

O segundo lote de concessões rodoviárias, da Nova Raposo, só vai ocorrer em 28 de novembro e segue o mesmo modelo da Rota Sorocabana: concessão de 92 quilômetros de trechos de vias operadas atualmente pela ViaOeste com inclusão de estradas sob gestão do DER-SP. O investimento é de R$ 7,9 bilhões.

Os outros leilões desta etapa vão movimentar menos recursos, mas contam com um bom leque de interessados. O da PPP para construção de 33 novas unidades escolares foi dividido em dois lotes, com investimento total de R$ 2,1 bilhões.

A concessão dos serviços públicos de loteria estadual, marcado para o próximo dia 1º de novembro, prevê arrecadação de cerca de R$ 3,4 bilhões, recurso que será aplicado em investimentos para a saúde.

O projeto inclui 31 unidades exclusivas (lotéricas) e estima mais de 11 mil pontos não exclusivos em todo o território paulista. A futura concessionária vencedora poderá explorar o serviço de maneira física ou virtual.





Fonte: Neofeed

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