Quando Alok foi convidado para ser um personagem de “Free Fire”, um game, ele precisava escolher um superpoder. Decidiu que seu avatar teria o poder da cura. A cultura ancestral deixou marcas muito fortes em sua vida nos últimos anos.
Ao conhecer indígenas e aldeias amazônicas, ele se reconectou consigo mesmo, o que lhe deu forças para enfrentar uma depressão em 2015. Surgiu, então, um novo propósito, o de fazer música para disseminar esses valores para o mundo.
Desde então, ele trabalha na tentativa de curar também o que há para além das telas dos games. No Instituto Alok, escolhe pautas que vão desde a causa antirracista até a democratização da água potável para as crianças brasileiras.
Aqui, ele fala sobre a potência da natureza em sua vida, os rumos que sua carreira tomou, como usar a tecnologia para se conectar com o meio ambiente e se emociona ao contar a história impactante do parto prematuro da filha Raika, com a médica Ramona Novais. Juntos, eles têm também Ravi.
Confira, a seguir, a entrevista feita para a revista Velvet e antecipada para o NeoFeed:
Você tem uma carreira meteórica: com 12 anos, já trabalhava com música, depois explodiu e hoje é internacionalmente famoso. Qual foi o momento em que percebeu que era um sucesso?
Eu brinco que percebi quando não consegui mais sair para jantar em 2019. Na verdade, em 2017, quando lancei o “Hear Me Now”, eu já era o 25º DJ do mundo, mas era uma coisa mais segmentada, no nicho eletrônico. Dois anos depois, as pessoas começaram a descobrir que eu era brasileiro. A virada de chave aconteceu aí: eu passei a não ser mais um artista do segmento eletrônico e fiquei mais pop.
Mas os seus pais, que eram DJs, têm a ver com isso também…
Acho que tudo isso é uma continuação da história dos meus pais. Não é uma carreira que começa aos 12 anos, ela continua. Quando eu fui morar com minha mãe na Holanda, eu e meu irmão tínhamos 5 anos, nossos pais já eram separados. Sempre tive uma vida diferente. Lá, a gente morava em uma ocupação, em um hospital abandonado. Minha vida sempre foi muito livre e eu podia fazer minhas escolhas. Em vários momentos, quis ter uma família mais normal, tradicional. Mas, hoje, entendo que talvez o maior legado dos meus pais tenha sido exatamente me deixar escolher meu caminho.
E qual era esse caminho, Alok?
A escolha do caminho foi em várias direções. Por exemplo, quando eu comecei a tocar, aos 12 anos, eu fazia o que meus pais queriam que eu fizesse. Depois, com 18 anos, estava fazendo faculdade, porque achava muito complexo trabalhar com arte. Via minha família passando muita dificuldade financeira. Queria ter mais estabilidade. Mas meu pai, diferentemente dos outros, me incentivou a trancar o curso e a continuar na música. Decidi dar mais uma chance e descobri ali como expressar o que eu queria.
“Meu pai, diferentemente dos outros, me incentivou a trancar o curso e a continuar na música. Decidi dar mais uma chance e descobri ali como expressar o que eu queria”
O que você queria?
Conectar o maior número possível de pessoas através da arte. Acho que é por isso que eu tive essa ascensão na carreira. Mas, aos 24 anos, número um do Brasil por dois anos consecutivos e entre os 25 maiores do mundo, eu passei a sentir um vazio existencial muito grande…
Você já falou publicamente de ter estado com depressão. Foi nesse momento?
Sim, parecia que nada fazia sentido na minha vida e acho que foi o ponto em que eu fui em busca de respostas mais profundas. Fui pela primeira vez para uma aldeia indígena, tentando aliviar um pouco essa aflição que eu tinha. A dor era insuportável. Foi ali que encontrei sentido. Entendi, então, que quanto maior fosse minha carreira, mais gente eu poderia impactar.
Uma virada de chave…
Foi a grande virada. Eu não encontrava mais nenhum tipo de inspiração para fazer música. Não queria mais trabalhar assim. Uma amiga mostrou um vídeo do povo da aldeia cantando e eu achei demais, senti vontade de conhecê-los. Bom, não sabia que tinha que pegar três voos, andar por 13 horas de carro e depois passei nove horas em uma canoa. No meio do caminho, me questionei sobre o que estava fazendo ali em um barco, na chuva. A estrada foi fechada por indígenas fazendo uma manifestação porque uma rodovia cruzou a aldeia deles no meio. Eles estavam largados na marginalidade, sem assistência alguma. Fui fazendo baldeações, pegando caronas com desconhecidos. E finalmente cheguei lá.
“Eu não encontrava mais nenhum tipo de inspiração para fazer música. Não queria mais trabalhar assim”
Depois dessa vivência, você decidiu fazer um disco com indígenas. Esse projeto é bem diferente dos outros que você estava acostumado a fazer, como foi esse caminho?
Na cidade, a gente acredita que tem uma cultura mais desenvolvida. Eu percebi que não existe isso. São valores e objetivos completamente diferentes. Eu fazia música para estar no top dez. Eles faziam música para curar e levar a cultura adiante. Ali, decidi que queria que meu trabalho levasse cura emocional ou algum aspecto de positividade. Foi uma grande mudança de paradigmas e aprendizados.
De que forma?
Quando fui convidado para representar um personagem do game “Free Fire”, eu escolhi o da cura, um poder inédito no game. Muita gente escolheu esse personagem para jogar. Em 2021, estava me perguntando para onde era o futuro e percebi que o futuro é ancestral. Eu não sabia como ia ser feito, mas eu simplesmente sabia que tinha de ser feito. Liguei para todo meu time para cancelar as programações e fazer esse álbum. No meio da pandemia, tivemos duas semanas de quarentena para as pessoas ficarem mais seguras. Levamos todo mundo para o estúdio e, quando chegamos lá, eu pensei: “E agora? O que faço com eles? O Mapu, por exemplo, cantava músicas que duravam 15 minutos. Ele não estava cantando para mim, estava cantando para a ancestralidade dele. Só que eu precisava de uma dinâmica e isso foi desafiador, conseguir encaixá-los dentro de uma fórmula. Aprendi muito e consegui respeitar a essência deles. Fizemos algo verdadeiro e genuíno.
Dá para dizer que seu trabalho une as pessoas. Quando você fez a live na pandemia, achei interessante porque todos na minha casa estavam muito vidrados na apresentação…
Quando você me diz isso, sinto que é um ponto de validação da carreira. Toquei pela primeira vez com 12 anos e, quando veio a batida, levantei o braço e todo mundo levantou. Eu pensei: “Quero fazer isso para sempre”. Sem abrir a boca, consegui me conectar. É meu grande vício. Não fico nervoso quando tem meio milhão de pessoas na minha frente. Fico animado e quero que tenha o dobro.
Você fala sobre construir pontes e citou essa frase novamente quando gravou com o Fagner, após ele ter dito algo que menospreza a carreira do DJ…
Eu entendo o que o Fagner quis dizer. Muita gente acha que o DJ não está fazendo nada. É uma visão reducionista achar que meu trabalho e só apertar o play. E outro ponto: um artista de música eletrônica tocando na festa de São João, que tem a essência da cultura nordestina, é como se fosse um invasor. Acho importante manter a raiz de um evento cultural como esse, mas entender que ele cresce e acolhe diferentes gêneros. Muita gente da nova geração vai lá para me ver e passa também a querer entender um pouco mais o São João. É um ciclo que rejuvenesce a festa. No fim, lancei uma música com o Fagner e toquei essa música recentemente em um show que fiz no Nordeste. Foi incrível. É um pensamento constante: ‘O que eu posso fazer para construir menos muros e mais pontes?’
“É um pensamento constante: ‘O que eu posso fazer para construir menos muros e mais pontes?'”
Quais são seus planos de carreira? Ou você vai vivendo um pouco a cada ano?
Minha carreira hoje está muito pautada no que faço no exterior, mas tenho a missão de traduzir
tudo que vivo lá fora aqui, no Brasil. Quero que entendam que é possível. Meus planos para o futuro próximo são lançar um documentário sobre o Futuro Ancestral, fazer uma parceria com o Coldplay, chamar mais artistas regionais para shows no Brasil…
É uma oportunidade muito legal de valorizar esses artistas. E você fala de ancestralidade, mas transita bem na tecnologia. Como você vê a inovação tecnológica na sua arte?
A minha música começa a ser feita através de tecnologia. Desde muito novo, troquei o videogame por um programa de produzir música. Quanto mais me aprofundo nisso, mais tenho convicção de que não há nada mais tecnológico do que a natureza. A gente tem essa concepção de que o futuro é apocalíptico, uma cidade neon com carro voador. E se o grande ponto for a tecnologia menos humanoide e mais integrada com a natureza? Usar esses avanços para despoluir os rios, por exemplo. Eu quero fazer parte desse movimento.
Quando a gente te ouve tem a impressão de que você não para nunca, vive fazendo viagens longas… Como o Alok descansa?
O maior desafio hoje é trazer esse equilíbrio da carreira com a vida. O momento de lazer que eu tenho é sempre integralmente com a família. Levo eles comigo em algumas viagens, faço exercício físico, brinco com as crianças… E fujo de festas.
“E se o grande ponto for a tecnologia menos humanoide e mais integrada com a natureza? Usar esses avanços para despoluir os rios, por exemplo. Eu quero fazer parte desse movimento”
Essa calma que você transmite não é sua realidade todos os dias? Você é uma pessoa que perde a paciência facilmente?
Sim, eu sou. Fui muito explosivo na minha vida. Acho que esse ímpeto também me trouxe a esse ponto da carreira. Antes, se houvesse uma porta trancada, eu pensava em quebrar a fechadura em vez de abrir. Isso me levou até certo lugar, mas depois começou a me prejudicar de diversas maneiras. Depois de amadurecer, você vai aprendendo. Passei a ficar mais calmo porque entendi que, quando eu me desestabilizava, a consequência era muito maior. Mas sou ansioso, sim, e isso reflete no meu jeito workaholic. Até no dia off eu quero fazer algo.
Como foi lidar com essa ansiedade durante a segunda gravidez da Ramona, no momento em que vocês lidaram com a Covid, que resultou no parto prematuro da Raika?
Foi o momento mais difícil da minha vida porque eu me senti muito impotente com a situação. Quando vi a Ramona e minha filha na UTI, aquilo era a coisa mais importante da minha vida. Entreguei tudo para Deus. Ali, eu não tinha como quebrar as portas trancadas, como falei há pouco. Tinha só que esperar. Não quero que achem que minha vida é perfeita. Está longe de ser.
E o público recebe bem essa sinceridade, não é?
Há um feedback positivo entre as pessoas. Acho que quando eu faço uma carta aberta falando sinceramente o que sinto, elas entendem que ansiedade ou depressão não é algo exclusivo delas. Até o Alok tem. Isso acaba fazendo com que eu queira, de alguma maneira, me abrir um pouco mais para as pessoas.
Para encerrar, conta para a gente como tem sido a parceria do Instituto Alok com Vini Jr.?
Lá em 2015, quando eu estava naquele momento “deprê”, percebi que não ia mudar o mundo, mas podia transformar a realidade daquelas pessoas. Foi muito inspirador. Não queria curar as coisas só no game no qual eu era personagem. Entendi, então, que o instituto nasceu para materializar a vontade de ajudar quem já faz projetos maravilhosos. Como é que eu posso contribuir com projetos já existentes? Estudo a questão financeira e a minha imagem porque há causas que não precisam de recursos, precisam de visibilidade. Com o Vini Jr., estamos montando uma escola antirracista. A grande virtude do instituto é não ser um transatlântico, mas sim um jet ski que vai em várias direções: desde microcrédito às pautas indígenas, às do movimento negro, à da alimentação. Somos livres para apoiar o que toca meu coração. Outro dia, vi que a maior taxa de mortalidade infantil é por causa do consumo de água que não foi purificada. Já instalamos postos de água potável em 20 cidades. Acho muito bom poder fazer isso.
*Christian Gebara é presidente da Vivo e diretor artístico da revista Velvet