O Brasil vive uma prolongada seca de IPOs. Depois da dupla listagem do Nubank, em dezembro de 2021, nenhuma companhia brasileira foi para a bolsa de valores, desencorajadas por uma série de fatores, da forte alta dos juros para combater a inflação pós-pandemia até os desarranjos da economia local e incertezas globais.
Diante do cenário atual, com o País vivendo uma crise fiscal, fica muito difícil acreditar que alguma empresa possa vir a mercado. Mas para Anderson Brito, chefe do banco de investimento do UBS BB, isso não quer dizer que seja impossível.
Para ele, setores da economia (e listados em bolsa) que vêm apresentando bom desempenho podem se animar a tentar um IPO em 2025, avaliando que a antecipação das discussões sobre as eleições de 2026 e a possibilidade de redução da curva de juros com o enfraquecimento da economia podem gerar uma janela de oportunidade.
“Esperamos um primeiro semestre mais focado em follow ons, principalmente no setor de instituições financeiras, com recuperação e possibilidade de reabertura de IPOs no segundo semestre”, diz ele, em entrevista ao NeoFeed.
Embora o caminho para a bolsa brasileira esteja aberto, se alguma empresa desejar seguir adiante com um IPO, a expectativa é de que a opção seja pelos Estados Unidos. “O mercado americano está funcional, temos precificado muitas transações de mercados emergentes”, diz Brito.
Entre follow ons e IPOs, o UBS BB projeta um volume de emissão de R$ 27 bilhões em 2025, um pouco acima do visto no ano passado, de R$ 25 bilhões. O UBS BB participou de três dos nove follow ons que aconteceram, o principal sendo o da Sabesp, que foi o destaque do ano passado, levantando R$ 14,8 bilhões. Em 2023, o volume de operações somou R$ 31 bilhões.
Se a renda variável ainda é uma incógnita, a renda fixa deve continuar sendo uma certeza, depois do ano histórico que foi 2024, puxado pela alta dos juros. Para 2025, o UBS BB projeta algo entre R$ 540 bilhões e R$ 550 bilhões de emissões, acima dos R$ 520 bilhões do ano passado. Em 2024, o banco estruturou mais de 200 operações.
“Tem que ver o que acontece com a economia, mas a dinâmica de dinheiro indo para renda fixa continua, se é que não intensifica, dado o cenário macro que a gente está vivendo”, diz Samy Podlubny, chefe da área de dívida do UBS BB.
As emissões no mercado externo também devem se manter em alta neste ano, segundo Podlubny, impulsionado pela baixa emissão nos últimos anos e os custos ainda atrativos. “Se o nosso pipeline mapeado para o mês de janeiro e o primeiro trimestre, começo do segundo trimestre, for um sinal para o que virá ao longo do ano, 2025 vai superar 2024”, diz ele.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:
Qual é o balanço das operações no mercado de capitais no ano passado e o que esperar para este ano?
Brito – Em equity capital markets, esperamos um volume de emissão, de follow ons e IPOs, de R$ 27 bilhões em 2025, em linha com a média pré-Covid. Teremos um pequeno crescimento em relação ao que foi em 2024, quando vimos um volume de R$ 25 bilhões. Esperamos um primeiro semestre mais focado em follow ons, principalmente no setor de instituições financeiras, com recuperação e possibilidade de reabertura de IPOs no segundo semestre.
Esperar IPOs no segundo semestre parece um pouco otimista, considerando que os juros estão subindo. Nos últimos anos foi feita essa mesma projeção, de reabertura da janela de IPO, e isso nunca ocorreu: a situação se deteriora e as operações ficam para o ano seguinte. Por que 2025 vai ser diferente?
Brito – Nós, como casa, estamos vendo no segundo semestre uma antecipação da discussão de eleição no Brasil. E, no segundo semestre, também vemos, eventualmente, um crescimento mais fraco da economia, o que deve resultar numa redução mais rápida da curva de juros. E o mercado antecipa movimentos. Então, eventualmente, pode ter uma janela para ofertas, principalmente em setores que estão negociando bem.
“No segundo semestre, vemos um crescimento mais fraco da economia, o que deve resultar numa redução mais rápida da curva de juros”
Quais setores?
Brito – Se pegar instituições financeiras, nomes como Nubank estão no dobro do preço do IPO, do qual fomos um dos coordenadores. Follow ons de nomes como Caixa Seguridade, a empresa está 50% acima do IPO, em que também participamos. Tem setores específicos, e aí acaba sendo menos uma discussão sobre Brasil e mais de setores em que o vento é positivo, seja por subpenetração, com o mercado endereçável de lucro sendo muito grande, seja porque tem um crescimento contratado relevante, que o mercado estará aberto. Temos tido muitas conversas com clientes para, eventualmente, listar no segundo semestre nos Estados Unidos. O mercado americano está funcional.
Os IPOs acontecerão nos Estados Unidos? No Brasil, você também considera a possibilidade de IPOs?
Brito – Também considero [no Brasil], no segundo semestre.
Por que instituições financeiras seriam os principais candidatos?
Brito – O investidor institucional ganhou dinheiro em outras transações do segmento e acaba querendo fazer [operações em] setores nos quais ganhou dinheiro. Em vários subsegmentos, como seguros, ainda existe uma subpenetração relevante no Brasil. Tem um crescimento de receita contratada de longo prazo. Esse é um setor no qual a gente viu um net inflow de estrangeiro positivo no ano passado. E em serviços financeiros, tem muitos papéis com liquidez relevante, o que para o investidor internacional é importante.
No caso de IPOs nos EUA, houve esse movimento na época da pandemia, mas muitas empresas não conseguiram os resultados que almejavam, não conseguiram a liquidez que esperavam. O que motivaria empresas brasileiras voltarem a acessar o mercado?
Brito – Tem que separar os casos. Existem ativos muito pequenos que foram levados a mercado e não tiveram a liquidez correta. Por outro lado, tem diversos nomes, por exemplo, em serviços financeiros, como Nubank, XP, PagBank e Stone, que quando se olha para comparáveis no Brasil, eles negociam a múltiplos relevantes. Para nomes grandes do Brasil, existe apetite para listar nos Estados Unidos, tanto do institucional americano quanto do global.
“Para nomes grandes do Brasil, existe apetite para listar nos Estados Unidos, tanto do institucional americano quanto do global”
Olhando para follow ons, você vê outros setores acessando o mercado de equities, além do financeiro?
Brito – Vemos no setor de consumo, com alguns ativos nos quais estamos mandatados. Em infraestrutura, vemos um nome ou outro, em utilities, nomes grandes. Em saneamento básico, talvez alguns nomes grandes, porque a Sabesp, por exemplo, no qual fomos global coordinator no follow on, está negociando bem após o follow on. E isso volta para aquela questão da retroalimentação positiva, com a turma ganhando dinheiro num setor querendo fazer mais no mesmo setor. Tem uma agenda de privatização e acho que o governo brasileiro também vai ser pró eventualmente trazer alguns ativos ao mercado.
É demanda dos investidores? É necessidade de fazer caixa? O que levaria empresas a acessarem o mercado num momento como esse?
Brito – Tem alguns setores que estão negociando muito bem, como serviços financeiros, então tem demanda de investidores. Alguns ativos têm que readequar o float mínimo de CVM, outros têm apetite de investidor para fazer secundária. Tem alguns ativos que estão mais alavancados, num momento de mínima histórica de spread, mas, por outro lado, com o aumento de juros, o nível de serviço da dívida fica mais caro. Quem está um pouco mais alavancado eventualmente vai ter que acessar mercado no preço que tiver.
Quando você conversa com os executivos de empresas que têm interesse de acessar o mercado, o que eles questionam? O que eles olham? Qual o trigger para a tomada de decisão?
Brito – São vários fatores. Existem possibilidades de M&A no preço correto. Por mais que ocorra uma diluição em um múltiplo um pouco menor, a empresa está comprando o ativo no preço correto, na estrutura correta, com pouca competição. Tem também um pipeline de privatizações ou de licitações relevantes, então vale a pena estar capitalizado. E tem setores nos quais o Brasil ainda é pouco penetrado, como utilities de gás ou na parte de saneamento. Por mais que a questão macro esteja um pouco difícil de visualizar, na questão micro existe um crescimento de receita contratada por décadas.
No caso da renda fixa, como avaliam 2024?
Podlubny – Foi um ano recorde para dívida local, com maior volume ever. Isso ocorreu em função de um volume de dinheiro que fluiu para os fundos de renda fixa. A dinâmica que isso gerou foi, as empresas viram os spreads cair para os menores níveis históricos. Nunca tivemos spreads tão apertados como no ano passado. E as empresas aproveitaram para refinanciar dívidas que iam vencer até alguns anos para frente, se beneficiando dessa redução, além de captar os recursos que precisavam para investimentos, que é algo regular.
“A dinâmica de dinheiro indo para renda fixa continua, se é que não intensifica, dado o cenário macro que estamos vivendo”
Essa dinâmica continuará neste ano?
Podlubny – Tem que ver o que acontece com a economia, mas a dinâmica de dinheiro indo para renda fixa continua, se é que não intensifica, dado o cenário macro que estamos vivendo. Mas tem um limite de onde as empresas vão buscar dinheiro. O capex que vão fazer, boa parte do refinanciamento que precisavam fazer, já fizeram. Não imaginamos que terá um crescimento tão expressivo, se é que vai ter algum crescimento para renda fixa, neste ano. Não deve ser nada expressivo no volume total. Estávamos com uns 30 deals em andamento em dezembro, que é nossa média regular.
Brito – Vimos um volume de mercado de renda fixa local de R$ 520 bilhões de emissão em 2024, comparado a R$ 311 bilhões em 2023, um crescimento de 67%. Para 2025, estamos esperando algo entre R$ 540 bilhões e R$ 550 bilhões de emissões.
Ainda é um volume expressivo, apesar da previsão de um menor crescimento…
Podlubny – É o maior volume em termos históricos de dívida local. Esses R$ 520 bilhões vieram com muita antecipação, de dívida e capex, com o spread mais apertado.
Brito – Só como referência, a média de 2021, 2022 e 2023 é um volume de emissão de R$ 340 bilhões.
No ano passado, os spreads ficaram comprimidos, nos mais baixos níveis históricos. É possível isso se manter e o volume de emissões permanecer elevado, considerando que muitos gestores de crédito começaram a revisar suas compras?
Podlubny – Tem a ver com o ajuste dos spreads. Os spreads estão apertados, e passaram por pequenos ajustes, porque chega determinado momento que o gestor fala “não, nesse preço aqui, não vou, porque nesse preço a conta não fecha”. O gestor de uma casa menor pode pensar assim. Mas o gestor de uma casa maior não consegue ficar com o fundo fechado. Ele é obrigado a comprar papel, porque não pode dizer que o fundo está fechado para captação. Os spreads passam por ajustes, mas não é que o mercado para, o dinheiro continua vindo.
“O mercado ficará mais seletivo daqui para frente. Alguns setores que podem sofrer mais terão dificuldade”
Você vê o mercado aberto para todos os tipos de companhias, de todos os tamanhos, ou a partir de agora o mercado ficará mais seletivo a respeito dos emissores?
Podlubny – Existe uma preocupação no mercado com o nível de juros, e dado os acontecimentos recentes, isso tende a acelerar. Uma coisa é falar de spread mínimo, mas quando o custo do dinheiro parte de um CDI mais puxado, você começa a ter empresas e setores que terão dificuldade de manter a cabeça fora da água. O mercado ficará mais seletivo daqui para frente. Alguns setores que podem sofrer mais terão dificuldade. Ainda que os spreads estejam mínimos, ninguém queima dinheiro.
E as emissões internacionais? Vieram positivas?
Podlubny – Ano passado também foi de recuperação. Tivemos dois anos muito fracos para dívida internacional, com 2022 praticamente sem operação nenhuma, com US$ 4,7 bilhões, e 2023 com volume muito pequeno, de US$ 15,6 bilhões. Foram anos fracos. Em 2024, as operações voltaram, fizemos entre US$ 22 bilhões e US$ 23 bilhões, ficando perto da média histórica. Foi um ano bom, muitos emissores recorrentes vieram ao mercado, novos acessaram o mercado pela primeira vez. Foi um mercado saudável, com livros cobertos mais ou menos umas cinco vezes ao longo do ano, o que é resultado bastante bom.
Podemos esperar manutenção desse ritmo?
Podlubny – Para este ano, tem toda uma dúvida do que vai acontecer com o governo Trump, como isso afeta etc. Mas se o nosso pipeline mapeado para o mês de janeiro e o primeiro trimestre, começo do segundo trimestre, for um sinal para o que virá ao longo do ano, 2025 vai superar 2024. Já contamos para a primeira janela do ano com pelo menos dez transações mapeadas. Sabendo que emissões externas brasileiras, em tempos de eleições, é menor, e nos últimos dois anos teve pouca emissão, isso significa que tem mais dinheiro que fluiu dos vencimentos aos bolsos dos investidores e que precisa ser realocado.
A situação do Brasil não pesa?
Podlubny – Apesar de termos nossos problemas, não é que o resto do mundo esteja voando. Não é que tem muita gente querendo tirar dinheiro do Brasil e colocar na China, no México ou no sul da Ásia. A Rússia não existe mais. Tem poucas geografias para alocar o dinheiro, por isso achamos que tem apetite e será um ano bom de dívida externa para o Brasil. Para esse mercado, estamos apostando em algum crescimento.
Como foi o ano em termos de M&A?
Brito – O banco estave em mais de 20 transações, em diversos setores. Assessoramos a Equatorial na venda de linhas de transmissão para uma empresa do CDPQ, a gente assessorou o BTG Private Equity e a Inspira no round captação de R$ 1 bilhão com Advent e CPPIB. Foi um bom ano de M&A, em que crescemos fortemente em termos de receita, com todos os tipos de transações, como rounds primários, secundários, majoritários e minoritários. Crossborder e doméstico também.
E o que esperar para o ano que vem?
Brito – Esperamos um aumento do market share. Estamos com um pipeline saudável, seja de deals domésticos, seja de deals de private equities, que representam entre 30% e 40% do volume de M&As. Seja de cross-border transactions nos vários segmentos. Estamos vendo um 2025 começando positivo para M&A.
Algum setor mais ativo?
Brito – Tem transações no setor de utilities, de tecnologia que gera muito caixa, health, especialmente na parte farmacêutica, e consumo. E tem transações em real estate, com sales e leaseback, algo que se mantém ativo, além de infraestrutura, nas partes de pedágio e portos.