Umami é o sabor que os chefs perseguem. Descoberto em 1908, pelo pesquisador japonês Kikunae Ikeda, só foi considerado o quinto gosto básico em 2002, quando se comprovou cientificamente que, em nossas papilas gustativas, existem receptores específicos para ele. Desde então, vem ganhando destaque nas cozinhas de todo o mundo — e 2024 tem sido, definitivamente, o ano do umami.
Entre o doce, o salgado, o azedo e o amargo, o umami é um intensificador e prolongador de sabores. É o que induz à salivação, nos proporcionando a sensação de água na boca. “Umami é o que faz com que seus pratos se destaquem e deixem uma impressão duradoura nos clientes”, já declarou o chef-celebridade britânico Gordon Ramsay, cujos restaurantes somam 17 estrelas Michelin. Ou seja, o umami é também um ótimo negócio.
Eleito o melhor restaurante pelo The World’s 50 Best Restaurant 2024 e três estrelas do Michelin, o catalão Disfrutar tem, entre várias outras tantas iguarias de seu menu, um exemplar típico das alegrias proporcionadas pelo umami: o “famoso e indulgente” Panchino com crème fraîche e caviar. Um paõzinho, crocante por por fora, recheado com creme fresco e Beluga, a ser degustado com vodca, infusionada com trufas.
Com essa combinação, um clássico da casa, os chefs Mateu Casañas, Oriol Castro e Eduard Xatruch conseguem despertar instantaneamente o quinto gosto nos botões gustativos dos comensais.
O trio já havia trabalhado na cozinha do lendário El Bulli, transformado, no ano passado, em museu e laboratório gastronômico. O chef espanhol Ferran Adrià conquistou uma legião de fãs empregando técnicas para intensificar o umami, em seus pratos inovadores. Entre elas, a fermentação, o envelhecimento e a esferificação — método da gastronomia molecular de aprisionamento de líquidos em esferas gelificáveis.
A exuberância brasileira
O umami é encontrado em alimentos ricos no aminoácido glutamato, em especial as proteínas, tanto as de origem animal quanto as vegetais. Está presente ainda em ingredientes que induzem a síntese proteica, como tomates e aspargos.
Com sua biodiversidade exuberante e vasta herança culinária, o Brasil é, com o perdão do trocadilho, um prato cheio para o umami. Dono do celebrado Mocotó, selo Bibi Gourmet do Michelin, sinônimo de restaurante de boa qualidade e bom preço, Rodrigo Oliveira explica ao NeoFeed que o tradicional caldo de mocotó, criado por seu pai José Almeida, é uma das receitas que melhor traduz o significado do quinto gosto.
“Ele, que era um cozinheiro autodidata e intuitivo, já havia percebido o poder do umami. Uma das preciosidades desse sabor é ele que ajuda a destacar ingredientes comuns deixando tudo irresistível”, diz ele.
Nas cozinhas contemporâneas, porém, os chefs têm se lançado em experiências elaboradíssimas na busca por imprimir em seu pratos o máximo de umami possível.
Rodrigo, por exemplo. “Um dos ingredientes que estamos incorporando já há algum tempo na nossa cozinha, como uma licença poética, é o tucupi amazônico”, conta. “Ele é, ao mesmo tempo, umami, ácido, doce salgado e condimentado.” No Mocotó, o tucupi é usado para fazer uma bochecha de porco braseada, servida com pirão desse mesmo caldo, farofa crocante de farinha d’água e jambu da horta da casa paulistana.
Além disso, o chef tem experimentado processos de fermentação. “Aqui no Engenho Mocotó, nossa cozinha experimental, testamos um missô de pinhão que ficou realmente incrível”, entusiasma-se. “Agora, estamos trabalhando, com a Companhia dos Fermentados, em um garum [condimento líquido maturado por 90 dias, a 60 graus], feito com aparas de carne seca, que até então era um produto de descarte.”
O despertar da água na boca
Lá, no início do século 20, o cientista Ikeda descobriu o umami, enquanto saboreava uma tigela de kombu dashi, o caldo considerado a base da culinária japonesa. Pois bem, em São Paulo, Gerard Barberan, do Kuro, dono de uma estrela Michelin, resolveu potencializar, em uma receita parecida, ainda mais o quinto gosto.
“Esquentamos a água com a kombu [alga marítima] até 68 graus e mantemos essa temperatura por 10 segundos. Então, desligamos o fogo e colocamos o katsuobushi [tempero feito a partir de peixe bonito defumado e seco] e deixamos que ele se deposite no fundo da panela”, explica o chef, em conversa com o NeoFeed.
A ideia, como diz, é tentar tirar o máximo de umami possível dos dois ingredientes. Para tanto, ele faz a filtragem do caldo com o “syphon coffee” — técnica que emprega princípios da física, como vácuo e condensação, utilizado normalmente para preparar café. Barberan quer tornar seu dashi ainda mais umami.
No Aiô, restaurante taiwanês, em São Paulo, os chefs Victor Valadão e Caio Yokota acabam de lançar um menu em que vários pratos têm a presença de doubanjiang (feijão fermentado) e molho de ostras e de cogumelos, ingredientes altamente concentrados no quinto gosto.
Entre as criações do Aiô, está o Char siu de copa lombo, um dos preparos mais demorados do restaurante — uma bomba de umami. “O arroz moti e o arroz vermelho passam por um processo de fermentação alcoólica, processo semelhante à feitura do saquê. O mosto dessa fermentação é utilizado para temperar e glacear a carne. E é a fermentação do koji [um tipo de fungo] com os dois tipos de arroz forma uma base de umami bastante concentrada”, detalha Valadão, em entrevista ao NeoFeed. Tudo para garantir a água na boca dos clientes.
Em bebidas também
O alcance do quinto gosto vai além dos pratos, entrando também no preparo de bebidas. Os ingredientes umami podem harmonizar os sabores de um drinque e, por isso, bartenders e fabricantes têm explorado maneiras de introduzi-lo em suas criações.
“Pesquisadores verificaram que a presença do gosto tem sido observada de forma bem sutil em diferentes tipos de bebidas, como saquê, champanhe, vinho e cerveja, e a intensidade varia de acordo com o processo de produção, principalmente nas etapas de fermentação”, explica ao NeoFeed Hellen Maluly, doutora em ciência dos alimentos e consultora do Comitê Umami, iniciativa da Ajinomoto, cujo objetivo é difundir informações sobre o quinto gosto.
Aliás, a descoberta do umami levou o cientista Ikeda a isolar os cristais responsáveis pelo gosto em laboratório, criar o glutamato monossódico e, com o empresário Saburouske Suzuki III, fundar a gigante japonesa de ingredientes, em 1909.
No Aiô, um dos drinques de maior sucesso, por exemplo, é o Tostado, preparado com bourbon, manteiga noisette, cogumelo, vinho madeira, xarope dourado salgado, bolha de fumaça e um bitter umami, à base de algas, flocos de bonito e cogumelos shiitake secos, produzido pela empresa The Japanese Bitters.
Em edição limitada, foi lançado, em 2024, o uísque Johnnie Walker Blue Label Elusive Umami. Criação do chef Kei Kobayashi, do restaurante parisiense Kei, três estrelas Michelin, e da master blender Emma Walker, a bebida traz um mistura de sabores salgados e adocicados.
Recomenda-se consumi-lo puro, acompanhado de caviar.
Se você ficou com água na boca ou curioso para desvendar o poder do umami, quando estiver diante de um prato elaborado para despertar os sentidos para esse sabor, vale seguir a dica dos chefs.
Comece sentindo os aromas e coma com calma para que suas papilas gustativas assimilem mais profundamente o que está sendo degustado.
“Encontrar o umami em um shoyu ou na sua versão sintética como o glutamato monossódico é fácil”, diz Rodrigo Oliveira. Muito mais recompensador, completa ele, é descobrir toda a riqueza do umami em preparos cuidadosos, elaborados com ingrediente naturais.