A aprovação do projeto de lei no Senado com as diretrizes para a criação do mercado de crédito de carbono deverá atrair investimentos estrangeiros ao País, com potencial de movimentar US$ 120 bilhões em 2030 e estimular o mercado voluntário, já existente, mas que vem sendo alvo de fraudes.
É o que afirmam especialistas ouvidos pelo NeoFeed na quinta-feira, 14 de novembro, um dia depois da aprovação do PL 182/2024, após negociações complexas para conciliar as diferentes propostas de uma versão anterior aprovada pela Câmara que se arrastava desde o início do ano.
Por essa razão, o texto-base aprovado ainda será referendado pelos deputados. O ponto negativo da nova lei é a exclusão do agronegócio das exigências de compensação, o que foi alvo de críticas de ambientalistas.
A expectativa é que a regulamentação posterior reforce a segurança jurídica para o setor corporativo avançar na compensação de suas emissões, passo essencial para sua incorporação à economia verde do Brasil, que no ano que vem vai sediar a Conferência do Clima (COP30) em Belém (PA).
Outro efeito é o potencial de investimentos, cujo cálculo leva em conta os cerca de 60% do território nacional preservado, que podem ser usados para gerar créditos.
Na prática, a nova lei tem como objetivo estabelecer limites e regras para as emissões de gases de efeito estufa por empresas. Neste sentido, o mercado de carbono funciona como um bolsa de negociação que permite a compra e a venda de unidades de gases de efeito estufa, medidas em créditos de carbono.
O texto-base aprovado pelo Senado, que dificilmente será alterado, divide o mercado de crédito de carbono brasileiro em dois setores: o regulado e o voluntário. O primeiro, a ser criado, é obrigatório para empresas que emitem acima de 11 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO₂e) por ano, sendo que a negociação de créditos de carbono ocorre com participação direta do governo.
Por convenção internacional, uma tonelada de dióxido de carbono (CO₂) equivale a um crédito de carbono. Empresas que emitem acima de 25 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO₂e) por ano terão de apresentar um plano de monitoramento das emissões ao Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), entidade a ser criada e que vai supervisionar o mercado regulado.
O mercado voluntário, no qual organizações do setor privado há alguns anos compram e vendem créditos de carbono por iniciativa própria, sem obrigação legal, para atender a metas de sustentabilidade, ganha relevância por se consolidar como opção ao regulado.
Agro fora
Além da demora, pois cerca de 30 países já criaram seu mercado regulado de carbono, a versão brasileira nasce com uma distorção – a ausência do agronegócio, setor que é o segundo maior gerador de gases de efeito estufa no País, responsável por 27% do total de emissões brasileiras.
Fruto de uma articulação da Frente Parlamentar Agropecuária, o agro participará apenas do mercado voluntário, decisão criticada por ambientalistas. Mas para Odair Rodrigues, fundador e CEO da B4 – primeira bolsa de ação climática do Brasil, lançada em 2023 com a proposta de impulsionar o mercado voluntário -, o setor agropecuário já segue uma regulação ambiental rígida.
Neste sentido, acrescentar mais burocracia, como a exigida pelo mercado regulado, pode dificultar as exportações num primeiro momento. “O agro vai se preocupar quando o comprador de sua exportação barrar o negócio porque ele não tem carbono zero na cadeia de produção”, diz, acrescentando a opção de o agro recorrer ao mercado voluntário.
Rodrigues acredita que a criação do mercado regulado deve ajudar a fortalecer o voluntário, pois ambos vão utilizar a mesma metodologia para emissão de créditos, com regras semelhantes, incluindo a certificação por entidade independente.
“Hoje não tem preço fixo pelo crédito de carbono, nem aqui nem no exterior, a variação depende do tipo de projeto, os com maior impacto social têm preços mais elevados”, diz, citando o leque entre US$ 10 e US$ 40 por crédito. Sua expectativa é que, no começo, pode ocorrer variação de preços entre os dois mercados, regulado e voluntário, até se estabilizar.
As fraudes no mercado voluntário, porém, estão no centro das preocupações da B4. Em junho, a Polícia Federal desarticulou uma organização criminosa suspeita de vender ilegalmente R$ 180 milhões em créditos de carbono via mercado voluntário provenientes de duas áreas públicas griladas na Amazônia.
O golpe, que tem se multiplicado nos últimos anos, consiste no suborno de agentes públicos e funcionários de cartórios para falsificar comprovações de titularidade de áreas visadas para receber investimentos em preservação, em troca de créditos de carbono.
Rodrigues diz que a B4 reforçou os cuidados, criando várias camadas de segurança jurídica antes de aprovar projetos. Outra providência foi privilegiar projetos de compensação de créditos de biodiversidade e de energia renovável, menos suscetíveis a fraudes, em detrimentos dos créditos de carbono.
Embora a lei que cria o mercado regulado ainda vá passar por regulamentação, quando os mecanismos de controle serão esmiuçados, Yuri Fernandes Lima, sócio do escritório Bruno Boris Advogados e especialista no tema, diz que há lacunas a serem preenchidas.
“A nova lei ainda se mostra deficiente ao não prever mecanismos rigorosos e próprios para fraudes particulares, a exemplo das envolvendo cadastros rurais”, adverte.
Gustavo Rabello sócio de mercado de capitais do escritório Souza Okawa Advogados, porém, aponta avanços de governança incluídos no texto. “É o caso da inclusão ‘certificador de projetos’, da definição de diferentes papéis como o do ‘desenvolvedor de projeto’ e o de ‘gerador do projeto’”, diz.
Mercado global
A criação do mercado de carbono nacional ocorre dois dias após os 200 países reunidos na Cúpula do Clima (COP29) em Baku, no Azerbaijão, chegarem a um acordo sobre as regras visando a criação de um mercado global de carbono administrado pelas Nações Unidas.
A dupla aprovação num intervalo de 48 horas não foi coincidência. O governo federal vinha pressionando o Senado a aprovar PL a tempo de ser anunciado durante a COP29, que vai até a próxima quarta-feira, 20.
Enquanto o Senado aprovava o PL, a delegação brasileira em Baku apresentava a terceira geração da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC na sigla em inglês), que define a redução de emissões de gases do efeito estufa dos países. A nova meta brasileira é reduzir as emissões de 59% até 67% em 2035.
“Saímos de mais de 2 bilhões de toneladas de CO₂ para 850 milhões e lastreando essa decisão, nós temos o Plano Clima e o Plano de Transformação Ecológica, que é o novo paradigma para o modelo de desenvolvimento do Brasil, com seis eixos estratégicos”, afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Para Rabello, do escritório Souza Okawa Advogados, o fato de o País criar o seu mercado de carbono e anunciar metas ambiciosas de corte de emissões abre a possibilidade de atração de investimentos estrangeiros.
A previsão do Ministério da Fazenda é que o mercado regulado esteja funcionando plenamente em 2030 e que, desse ano até 2040, o PIB brasileiro seja impulsionado em 5,8% no período acumulado.
“Muitos países não têm condições climáticas ou ambientais para redução de emissões como o Brasil, que é um vasto celeiro nesta instância e estava profundamente atrasado na regulamentação dos créditos de carbono em relação a outros países”, afirma Rabello.