Metas do marco de saneamento estão indo para o ralo

Metas do marco de saneamento estão indo para o ralo


Passados quatro anos da entrada em vigor do Marco Regulatório do Saneamento, uma série de más notícias e a demora para colocar de pé as licitações para impulsionar os investimentos no setor vão minando as metas de universalização estipulada pela lei – levar 99% de água tratada e coletar e tratar o esgoto de 90% da população brasileira até 2033.

Apesar dos avanços em saneamento obtidos pelo País desde 2020, cerca de 32 milhões de brasileiros (15,8% da população) continuam sem acesso à água tratada. Os dados referentes à falta de coleta de esgoto são ainda mais impressionantes – 92 milhões de pessoas, o equivalente a 44,5% da população. Se a cobertura continuar no atual ritmo, a universalização só será atingida em 2070, conforme previsão feita pelo Instituto Trata Brasil, ONG de saneamento.

Mesmo com indicadores ainda preocupantes, o setor tem avançado desde a implementação do marco, em 2020. Já ocorreram 45 leilões em 19 estados, com R$ 103,9 bilhões de investimentos contratados e outorgas. Ao todo, 32,4 milhões de pessoas foram beneficiadas, em 597 municípios.

Um dos legados do marco do saneamento foi facilitar a entrada de investimentos privados no setor, que registrou aumento de 203% no número de municípios atendidos pelos operadores privados desde 2020. A iniciativa privada atua como operadora – de forma exclusiva ou em parceria com companhias públicas – em 881 cidades, ou 15,8% dos municípios brasileiros (em 2020, eram 389 municípios).

Mas o fato é que as licitações avançam lentamente. “Temos dois leilões programados para o segundo semestre: um no Piauí, agora em agosto, e depois Sergipe, em setembro, além de vários estudos em projeto no Norte e Nordeste”, afirma Christianne Dias, diretora-executiva da Abcon, ao NeoFeed, tentando manter o otimismo.

“A concorrência com metas definidas é um sinal de evolução, a partir das diretrizes do marco regulatório”, completa a executiva da associação das operadoras privadas de saneamento.

Um levantamento divulgado pela Abcon mostra a importância de acelerar os investimentos para atingir a universalização. De acordo com o estudo, com base nos dados do SUS, as doenças relacionadas à falta de saneamento foram responsáveis, nos últimos três anos, por cerca de 1 milhão de internações e 210 mil óbitos no País. As despesas com essas internações chegaram a R$ 2,2 bilhões.

Para Dias, o estudo mostra o quão urgente é universalizar o saneamento, em todas as regiões do País: “Alcançar melhores condições de vida da população a partir da saúde é o impacto mais significativo dessa universalização.”

Um estudo da OMS (Organização Mundial de Saúde) reforça essa percepção, indicando que, para cada US$ 1 investido em saneamento, há um retorno de quase seis vezes para a sociedade.

Aliquota máxima

Há, no entanto, um temor de que os investimentos privados diminuam caso não haja alteração no Projeto de Lei Complementar 68/2024 aprovado no mês passado pela Câmara dos Deputados, referente à regulamentação da reforma tributária. O texto – que ainda pode receber emendas no Senado – inclui o setor de saneamento entre os que vão pagar a alíquota completa após a reforma, estimada entre 26,5% e 28%.

Hoje, para se ter uma ideia, o setor de saneamento é sujeito ao pagamento de 9,25% de PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e isento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e ISS (Imposto sobre Serviços).

“A mudança proposta pela reforma, retirando a classificação do setor de saneamento como atividade de saúde, vai ocasionar um aumento de mais de 200% do pagamento de tributos do setor”, observa João Pedro Garcia, advogado tributarista no Grupo Nimbus, acrescentando que a possibilidade da reversão da alíquota cheia é pequena.

“Após consulta do setor, o Senado já havia incluído uma ressalva no texto para que a tributação não fosse aumentada para o saneamento, porém a Câmara decidiu manter a cobrança da alíquota referencial”, diz Garcia.

Outro problema previsto com o aumento de alíquota é a necessidade de reequilibrar os contratos em vigor, para compensar o que as empresas vão recolher a mais de tributo. Isso poderia afetar o caixa das empresas que atuam no setor, reduzindo sua capacidade de investimentos.

Por fim, existe a possibilidade de que esses custos a mais sejam repassados para os consumidores. “O atual cenário da reforma tributária trará um aumento na conta de água dos brasileiros justamente em um momento crucial de aporte de investimentos para universalizar os serviços”, adverte Dias, da Abcon.





Fonte: Neofeed

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