Na era dos alimentos “instagramáveis”, a beleza é fundamental

Na era dos alimentos “instagramáveis”, a beleza é fundamental


Mais do que apenas despertar o paladar para sabores surpreendentes, a alta gastronomia propõe uma experiência sensorial completa. E, nela, a apresentação dos pratos é fundamental. Da escolha da louça à disposição dos alimentos, suas cores e texturas, a estética cria uma espécie de conexão emocional entre os comensais e a comida. Aumenta a expectativa em relação ao sabor e desperta o apetite.

Na história da evolução da espécie, o ser humano escolhia o que comer primeiro pela visão. Se a aparência dos alimentos sempre foi importante, em tempos com os nossos, da vida cotidiana exposta nas redes sociais, beleza é fundamental. Na era dos alimentos instagramáveis, o design de pratos ganha um novo impulso.

A culinária como arte visual teve início nos anos 1960 e consolidou-se na década seguinte, com a nouvelle cuisine francesa. Entre os mentores do movimento estão chefs lendários como Paul Bocuse, Michel Guérard, Roger Vergé e os irmãos Pierre e Jean-Baptiste Troisgros.

Foi esse legado que Claude Troisgros, filho de Pierre, trouxe ao Brasil no fim dos anos 1970. Na época, o restaurante Troisgros, fundado em Roanne, já fazia história na gastronomia, com suas três estrelas do Guia Michelin desde 1955 – e, atualmente, é a única casa do mundo com mais de 50 anos com essa distinção.

“Desde muito pequeno, ouvia meu pai dizer que, antes de degustar, a gente come com os olhos”, lembra o chef, em conversa com o NeoFeed. “Por isso, sempre penso em receitas visualmente atraentes.”

Suas inspirações vêm das viagens pelo Brasil e pelo mundo. Vêm também dos mercados, especialmente os do Nordeste, da Amazônia e de Minas Gerais — com suas cores, formas e aromas exuberantes. E ainda dos músicos e pintores.

“Meu processo de criação começa com a escolha do ingrediente, respeitando a cultura do seu local de origem. A partir daí, passo a trabalhar a receita. A cor faz com que eu escolha outros insumos para combinar em gosto e visual”, conta Claude. “A beleza é o primeiro passo do meu processo. Depois, vem a textura e então o sabor, que é o mais importante.”

Hoje, o Grupo Troisgros possui vários restaurantes no Brasil, incluindo o Chez Claude (no Rio de Janeiro e em São Paulo), recomendado pelo Guia Michelin. No Leblon, a casa abriga o projeto Mesa do Lado — uma experiência completa, para estimular paladar, audição, visão, tato e olfato.

Em um ambiente intimista para doze pessoas, o menu, composto por nove pratos, incluindo sobremesa, é servido ao ritmo de luzes e projeções de belas imagens, que acompanham uma playlist eclética,; de Paulinho da Viola a AC/DC.

Entre as delícias e belezuras, está o Esse prato não tem nome, elaborado com ostra, tomate, purê de abacate, caviar de mostarda, mel, queijo de cabra e queijo azul. Uma flor dá um toque campestre ao preparo. Outra “obra-prima” é o canelone de cavaquinha ao molho de vôngole, acompanhado de risoto nero, lula grelhada, couve-de-bruxelas e aioli de dendê. Entre as sobremesas, há a escultural massa folhada de chocolate, com mousse de cupuaçu, sorvete de flor de latte — e folha de ouro.

Mas, se tivesse de escolher um símbolo de sua cozinha artística, Claude indicaria as vieiras grelhadas com barriga de porco e dashi de algas e tucupi, cobertas com uma dentele, biscoito delicado em formato de renda. “Gosto deste prato porque é uma obra de arte supersimples. E ainda tem essa brincadeira de a pessoa precisar quebrar a dentele com o garfo para só então ver os ingredientes que ficam sob ela”, orgulha-se o chef.

A beleza do ingrediente

Outro expoente da alta gastronomia visual no Brasil é o chef Tsuyoshi Murakami, do restaurante Murakami, nos Jardins, em São Paulo. Ele conquistou sua primeira estrela Michelin este ano, um reconhecimento pela cozinha que encanta tanto o paladar quanto o olhar.

“Minha inspiração vem de diversas formas de arte, como a fotografia e a música. Muitas vezes, a inspiração surge naturalmente, sem que eu saiba exatamente de onde vem”, diz, em entrevista ao NeoFeed.

Veja uma entrevista com o chef Tsuyoshi Murakami:

Uma das marcas registradas de Murakami é o minimalismo. Um exemplo é o ouriço-do-mar servido em um limão tahiti. “Existem inúmeras possibilidades ao trabalhar com diferentes ingredientes, especialmente pensando no design da receita. No entanto, o respeito ao ingrediente é fundamental. Por isso, é preciso testar muito até encontrar a harmonia entre sabor e arte”, afirma.

Em seu prato de lagostins com yuzu, o chef experimentou várias formas de apresentação até decidir eliminar todos os elementos decorativos, permitindo que a beleza do ingrediente brilhasse por si só. Todo a criação do empratamento do Murakami é feita em conjunto com a equipe, para que todos saibam exatamente como replicar a composição final.

Uma das “obras de arte” da chef e consultora Natalia Furquim é a espiral de chocolate, com “sponge cake” e frutas vermelhas (foto: Natalia Furquim)

Para Claude Troigros, o símbolo de sua cozinha artística é o preparo com vieiras grelhadas, com barriga de porco e dashi de algas e tucupi, cobertas com um biscoito delicado, em formato de renda (Foto: Tomas Rangel)

No prato de lagostins com yuzu, o chef Murakami tirou todos os elementos decorativos para que “a beleza do ingrediente” brilhasse por si só (Foto: Divulgação/Murakami)

No restaurante Notiê, o típico abará é apresentado como uma mini escultura, que combina feijão fradinho e gremolata de castanhas (Foto: Nani Rodrigues)

Graças à criatividade de Natália Furquim, um salmão vira um mosaico de salmão, com tuile de gergelim, cogumelos e sorvete de avocado e wasabi (Foto: Natália Furquim)

Em “Esse prato não tem nome,” de Claude Troisgros, a flor dá um toque campestre ao prato elaborado com ostra, tomate, purê de abacate, caviar de mostarda, mel, queijo de cabra e queijo azul. (Foto: Tomas Rangel)

A lula com espaguete de mamão verde, do Notiê, encanta pela delicadeza do design (Foto: Nani Rodrigues)

O canelone de cavaquinha ao molho de vôngole, acompanhado de risoto nero, lula grelhada, couve-de-bruxelas e aioli de dendê é uma das “artes” de Claude Troisgros (Foto: Tomas Rangel)

Intitulado “Terra Altar: Chapada Diamantina”, o menu criado por Onildo Rocha inspirado nas tradições da região baiana (Foto: Wesley Diego Emes)

Frente o interesse cada vez maior dos cozinheiros pela aprfesentação de suas criações, a chef e consultora Natália Furquim criou um curso de empratamento (Foto: Natália Furquim)

“Desde muito pequeno, ouvia meu pai dizer que, antes de degustar, a gente come com os olhos”, conta o chef Claude Troisgros (Foto: Tomas Rangel)

“Minha inspiração vem de diversas formas de arte, como a fotografia e a música”, diz Tsuyoshi Murakami (Foto: divulgação/Murakami)

No Centro Histórico de São Paulo, no Notiê, Onildo Rocha procura servir “obras de arte” cheias de sabor e significado. Para a nova temporada da casa, intitulada Terra Altar: Chapada Diamantina, o chef preparou um menu inspirado nas tradições da região baiana. “Quis capturar a conexão entre natureza e cultura local, transformando cada refeição em uma homenagem à culinária da região”, explica ao NeoFeed.

Onildo conta que o movimento Armorial, que elevava a cultura popular ao nível da erudição, é uma referência importante em sua cozinha. Isso se reflete em pratos como o típico abará, que, no Notiê, é preparado com feijão-fradinho e gremolata de castanhas e apresentado como uma mini escultura. A lula com espaguete de mamão verde encanta pela delicadeza do design.

O desejo do consumidor

Em Santa Catarina, no Balneário Piçarras, a chef e consultora Natália Furquim observa o crescente interesse dos cozinheiros em aprimorar a apresentação de seus pratos. Foi pensando nisso que criou o Empratamento Criativo, um curso online. Ex-aluna do chef Laurent Suaudeau, ela diz que o essencial é despertar o lado criativo com base em fundamentos teóricos e técnicos.

Seu método é dividido em aulas sobre cor, equilíbrio, volume, texturas e processo criativo. “Mostro aos alunos que não é preciso criar do zero. Nada é totalmente original”, explica Natalia, ao NeoFeed. “O segredo é selecionar referências de que gosta e, aos poucos, criar seu próprio estilo.”

Desde o lançamento, há cinco anos, o curso tem atraído cada vez mais alunos. Além disso, Natália ministra palestras e presta consultoria. “Aqui no Brasil, vejo que até os restaurantes comuns já sabem que é importante criar um prato bonito. No exterior, apenas os mais sofisticados têm essa preocupação”, conta.

Para ela, o consumidor quer uma experiência completa, e o empratamento criativo é um diferencial. Como lembra a consultora: “Um dos meus clientes recentemente dobrou o preço do menu. Depois de implementar um design artístico, as vendas dobraram. Isso mostra que as pessoas estão dispostas a pagar mais quando se sentem encantadas.” Na gastronomia, beleza não só põe mesa, como faz o cofre tilintar.





Fonte: Neofeed

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