Uma gravíssima crise institucional está rondando o México, com a iminente aprovação de uma polêmica reforma do Poder Judiciário pelo Congresso, que está levando empresas multinacionais a congelar US$ 35 bilhões em investimentos no país e colocar sob risco a renovação do tratado de livre-comércio entre México, Estados Unidos e Canadá, em 2026.
A reforma encabeça as medidas que o presidente Andrés Manuel López Obrador está tentando implementar em seu último mês de mandato, antes de passar o cargo para Claudia Sheinbaum, vitoriosa nas eleições de junho – que assegurou ampla maioria ao partido governista, Morena, na Câmara dos Deputados e no Senado.
O novo Congresso tomou posse em 1° de setembro e AMLO, como o presidente é conhecido, está acelerando a votação da reforma no Senado, após conseguir aprová-la com folga – e muita confusão – pelos deputados na semana passada.
Funcionários do Judiciário, que estão em greve por tempo indeterminado, e centenas de manifestantes cercaram o prédio do Congresso, o que levou os deputados a votarem e aprovarem a reforma num ginásio esportivo da capital.
A reforma do sistema judiciário prevê a substituição de 1.700 juízes e magistrados federais, incluindo juízes do Supremo Tribunal mexicano, por meio de eleição direta. A proposta tem preocupado os investidores estrangeiros, que temem como efeito o controle de Judiciário pelo Executivo – pois cabe ao governo aprovar os candidatos que vão concorrer aos cargos na Magistratura.
A rigor, a iniciativa do governo representa uma ameaça à estratégia de nearshoring dos EUA – o estímulo à criação de uma cadeia de suprimentos alternativa à China do outro lado da fronteira. Isso porque há um forte componente político por trás da reforma do Judiciário apresentada por AMLO que diz respeito justamente aos investimentos estrangeiros no país.
Antes de o presidente apresentar a proposta, o Supremo Tribunal bloqueou iniciativas políticas do atual governo que miravam a uma intervenção no setor elétrico do México, alegando que as medidas violavam o tratado de livre-comércio entre Estados Unidos, México e Canadá – o antigo Nafta, desde 2019 rebatizado de USMCA, na sigla em inglês.
De acordo com a Câmara Americana de Comércio do México, a reforma também afetaria os tribunais trabalhistas sob o USMCA e violaria as disposições do tratado que exigem magistrados independentes.
“Um Estado não pode invocar a sua lei interna como desculpa para não cumprir as obrigações internacionais”, admitiu Norma Piña, presidente da Suprema Corte do México, reforçando que a reforma do Judiciário violaria os acordos de livre-comércio do país.
O próprio AMLO não tem negado que a reforma foi concebida para encerrar “uma era de proteção” do sistema judiciário mexicano às empresas estrangeiras. “Será que vão continuar defendendo as empresas estrangeiras que vêm saquear, roubar e afetar a economia dos mexicanos?”, questionou o presidente na última sexta, 6 de setembro.
Risco Trump
Muitas empresas multinacionais já haviam anunciado o congelamento seus planos de investimentos à espera da eleição americana, pois uma vitória do republicano Donald Trump pode levar, no limite, a um rompimento diplomático entre os dois países.
Com o resultado da eleição geral de junho – na qual a reforma do Judiciário foi um dos temas de campanha explorado por AMLO e o seu partido -, o pessimismo aumentou. Desde a eleição, o peso mexicano perdeu 12% de seu valor.
Os investimentos adiados atingem vários setores, de tecnologia da informação e fabricação de automóveis até os gasodutos de gás natural e infraestruturas industriais. A presidente eleita do México, Claudia Sheinbaum, porém, apressou-se em tranquilizar investidores. “Isso não afetará nossas relações comerciais, nem os investimentos privados e estrangeiros”, escreveu ela recentemente no X.
Durante os seus seis anos no cargo, AMLO foi um obstáculo para as empresas estrangeiras, interrompendo a construção de um aeroporto, forçando as empresas internacionais a vender ou a fechar fábricas e tentando restaurar o controle estatal em áreas-chave, como de energia.
Empresas estrangeiras estimam que seria necessária a injeção de US$ 18 bilhões para cobrir a crescente procura de eletricidade para uso industrial.
A mesma preocupação foi manifestada em nota pela Global Companies in Mexico, um grupo que reúne altos executivos de cerca de 60 empresas que operam no país: “Estas medidas também correm o risco de minar as negociações para rever o USMCA, em 2026.”
A mexicana Lisdey Espinoza Pedraza, professora de política e relações internacionais na Universidade de Aberdeen, na Escócia, afirma que, pelo sistema atual, os juízes são nomeados com base no mérito, experiência e resultados de exames, o que garante que os juízes tenham as qualificações necessárias para fazer cumprir a lei de forma imparcial.
Contudo, segundo ela, a reforma de AMLO iria desmantelar estas salvaguardas ao selecionar juízes pelo voto popular. “Se os eleitores elegerem juízes que simpatizem com o Morena, o partido controlaria efetivamente os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário”, diz Pedraza.
Isso abriria a porta para influências externas, incluindo corrupção. “Os candidatos judiciais precisariam angariar dinheiro para as suas campanhas, criando potencialmente um sistema onde indivíduos ricos ou grupos de interesses especiais, entre eles o crime organizado, possam influenciar as decisões judiciais”, acrescenta a especialista.