O tradicional mercado de previdência privada foi abalado por dois movimentos nos últimos anos. A chegada de novas empresas, que usaram a tecnologia para reduzir custos tanto nos negócios como para o cliente. E a facilidade de transferir os recursos por meio da portabilidade, que virou uma estratégia-chave para ganhar market share e mexer com as principais peças desse tabuleiro.
Um estudo realizado para o NeoFeed pela Pluggy, fintech especializada em soluções de pagamentos e dados financeiros para empresas, com a base de dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep) mostra que entre janeiro de 2022 e junho de 2024 sete seguradoras atraíram R$ 41,78 bilhões em portabilidade.
Desse volume total, 98% se concentraram em três instituições: XP (43,48%), BTG (32,31%) e Itaú Unibanco (22,33%). As outras quatro seguradoras com saldo positivo são SulAmérica, Vinci, Sicoob e União Seguradora.
Do outro lado, estão 17 seguradoras que tiveram resgate líquido via portabilidade. Liderando a lista está a BrasilPrev, com 34,07% do volume total perdido, seguido por Bradesco (24,08%), Icatu (17,30%), Caixa (12,10%) e Zurich Santander (5,39%).
O ganho de recursos com a portabilidade foi decisivo para o crescimento de market share. Quem mais subiu nesse ranking foi o BTG, com ganho de 1,1 ponto percentual (p.p), chegando a 1,8% do total do mercado, seguido pela XP, com ganho de 1,05 p.p, que subiu para 4,4% de participação.
“Do total sob gestão na XP, 30% vieram de portabilidade, e no BTG, 53%. Eles são com certeza os grandes ganhadores da movimentação por portabilidade e passaram de players novos no mercado para relevantes”, afirma Victor Urano Braga, cofundador da Pluggy, em entrevista ao NeoFeed.
Acima deles, só a novata Vinci Vida e Previdência, que faz parte da gestora Vinci Partners, de Gilberto Sayão. Ela chegou ao mercado no fim de 2022 e tem 68% do seu patrimônio – cerca de R$ 300 milhões – vindo de portabilidade.
“Esse mercado é muito concentrado, com 80% do patrimônio nos seis maiores players. A portabilidade é uma estratégia importante para qualquer nova seguradora”, afirma Vinicius Albernaz, sócio da Vinci e head do Mio Vinci Partners.
A estratégia dos tomadores de mercados
A XP passou do 24º lugar em 2017 para a 6ª maior seguradora. Hoje com R$ 75 bilhões sob gestão, a empresa apostou nos serviços e na diversificação de produtos na sua plataforma aberta, que hoje conta com mais de 300 fundos plugados. E trouxe como diferencial um amplo canal de distribuição tanto no B2B como no B2C, com mais de 16 mil assessores de investimento.
“Zeramos taxas e trouxemos de fato uma plataforma aberta com fundos de terceiros em um mercado que era muito verticalizado. Mas depois todo mundo veio atrás e o produto agora é commodity”, afirma Roberto Teixeira, head da XP Seguros e Previdência.
Segundo ele, a portabilidade era, no início, o principal meio de captação – hoje está em 60%. Agora, a XP está centrada na estratégia de gerar educação financeira e criar novas contas para explorar as possibilidades pelo wealth planning. Com essa receita, a XP cresceu seu volume em 53% de janeiro de 2022 até junho deste ano.
Quem conseguiu também um crescimento exponencial foi o BTG, que era o 18º maior player em 2017 e hoje está em 9º lugar, com R$ 25,3 bilhões sob gestão – o banco mais que triplicou de tamanho desde 2022.
O grande salto do banco na previdência se deu pela estratégia de criar seu próprio canal de distribuição tanto no B2B, com seus mais de 400 escritórios plugados, como no B2C com os canais digitais e o BTG Pactual Advisors.
Em relação ao produto, a aposta do BTG foi tanto ter uma plataforma diversificada, hoje com mais de 210 fundos de cerca de 90 gestoras, como usar o seu canal de distribuição de uma forma mais consultiva.
“A legislação da previdência ficou muito mais flexível nos últimos anos e possibilitou ter estratégias mais sofisticadas. Soubemos aproveitar isso com a nossa expertise em investimentos para trazer produtos com boa rentabilidade e aliamos a isso uma assessoria dedicada a esse produto”, diz Marcelo Flora, sócio e responsável por plataformas digitais do BTG Pactual.
Flora afirma que a portabilidade é estratégica para o crescimento, tendo como meta estar sempre entre as três que mais recebem recursos. Outra via de crescimento importante é o segmento corporativo, em que as empresas oferecem o plano de previdência como benefício aos funcionários.
“Nos posicionamos como um player especialista em investimentos e, por isso, em geral, quando o cliente chega a nós, ele já sabe a importância da previdência, ele só está procurando uma melhor”, afirma o sócio do BTG.
Ao contrário de XP e BTG que eram novos entrantes nesse mercado, o Itaú tem uma história diferente. Terceiro maior player com cerca de 19% de market share, segundo dados da Susep, o Itaú Vida e Previdência estava sofrendo com pedidos de portabilidade. Para virar o jogo, partiu para uma reestruturação que passou a dar resultados há três anos: o saldo positivo começou a aparecer a partir de maio de 2022.
Uma das mudanças foi a reformulação da grade de produtos, passando a ser mais ampla, diversa e acessível. Em 2020 havia cerca de 60 fundos. Hoje são mais de 180 fundos de mais de 50 gestoras diferentes, com a grande maioria com investimento mínimo de R$ 1, o que também gera novas contas. Isso combinado aos especialistas advisors com a operação do íon.
“Sem dúvida foi em 2022 que demos a virada para reter o cliente e conquistar novos. Temos grande vocação para criar novos fundos, mas também queremos crescer com a portabilidade”, afirma Rogério Calabria, superintendente de produtos de investimentos e previdência do Itaú.
“Hoje, conseguimos tirar clientes de todos os concorrentes, tanto de outros bancões como dos players mais novos e ditos ‘modernos’. E acreditamos que isso ocorre pela nossa proposta de valor”, complementa.
A avaliação mais próxima a esse produto também tem gerado muitas portabilidades internas dentro do Itaú. Ao identificar que um produto não está agradando o cliente, ele é ofertado outro mais alinhado ao seu perfil na prateleira. Segundo o banco, no ano passado, essas migrações internas totalizaram mais de R$ 30 bilhões.
O contra-ataque dos líderes
Quem mais sofreu com os pedidos de retirada por portabilidade foi seguradora do Banco do Brasil, a BrasilPrev, com uma perda total de R$ 13,4 bilhões desde janeiro de 2022. Mas isso não significa que a seguradora líder diminuiu o seu tamanho. Ao contrário, houve um crescimento de 30% no período e hoje a BrasilPrev tem R$ 416,8 bilhões sob gestão, de mais de 2,6 milhões de clientes.
“Quando comparamos os volumes portados pelos clientes da Brasilprev para outras empresas de previdência, proporcionalmente aos volumes administrados por cada empresa, percebemos que somos a companhia que menos perde recursos para a concorrência, mostrando a qualidade dos nossos produtos e serviços”, afirma Mauro Guadagnoli, superintendente comercial da BrasilPrev.
Segundo a companhia, o foco segue em trazer novos poupadores para o mercado e não o “rouba monte”, como Ângela Assis, CEO da BrasilPrev, disse em entrevista recente ao NeoFeed.
O Bradesco Vida e Previdência, segundo maior player desse mercado e o segundo a mais sofrer com perdas por portabilidade, tem a mesma percepção de que é o mais atacado por ser um dos maiores. E vê que as seguradoras mais novas, sem balcões ainda desenvolvidos para gerar novos entrantes, pautam sua atuação na busca por portabilidade de clientes de outras instituições, fazendo desta a sua principal estratégia de negócio.
A capacidade de gerar novos poupadores também levou o Bradesco a, mesmo tendo perdido clientes para a concorrência, ter registrado crescimento. A carteira aumentou 36% no período do estudo e chegou a R$ 295 bilhões administrados.
Mas reter os clientes se mostrou imperativo, assim como trazer o “cliente antigo” de volta. Para isso, a grade de produtos do Bradesco foi ampliada e conta hoje com mais de 100 opções, que cobrem todos os perfis e classes de ativos de mais de 40 gestoras diferentes.
Além disso, foi ampliado o número de especialistas em investimentos e previdência que hoje superam 2 mil profissionais, aumentando a capacidade de relacionamento consultivo e busca de oportunidades por novas portabilidades.
“Temos uma estrutura dedicada à defesa dos pedidos de portabilidade cada vez mais especializada pelo perfil de pedido que chega, seja por característica de produto, origem do pedido, valores, entre outras características, o que nos permite ter uma taxa de sucesso cada vez maior nessa linha de defesa”, afirma Estevão Scripilliti, diretor da Bradesco Vida e Previdência.
Como resultado, o Bradesco reduziu o saldo negativo de portabilidades, que estava acima de R$ 7 bilhões há alguns anos, para R$ 3,5 bilhões em 2023, como mostrou o NeoFeed. E projeta nova redução de 30% no saldo líquido negativo para o fechamento de 2024.
Apesar de serem as que mais perderam em volume, os montantes perdidos com o êxodo de clientes correspondem a 3,4% do patrimônio da BrasilPrev e 3,3% do Bradesco, segundo o levantamento da Pluggy. Já as gestoras independentes sofrem muito mais. Na Icatu, por exemplo, as perdas com portabilidade representam 14% do patrimônio.
Em nota, a Icatu afirmou que “um cenário recente de maior volatilidade e mudanças nas taxas de juros, aliado ao portfólio da Icatu tradicionalmente composto por estratégias diversificadas, a empresa observou movimentações naturais e pontuais de portabilidade no período recente, à medida que os clientes buscam rebalancear suas carteiras diante das mudanças de cenários”.
A companhia afirma ainda que aposta na aquisição de novos clientes e não em portabilidade. Com isso, viu no primeiro semestre de 2024 um aumento de R$ 2,9 bilhões em contribuições, 19% maior do que o mesmo período de 2023. Hoje, a empresa soma R$ 55 bilhões sob administração.
De olho no open insurance
Se a portabilidade trouxe inovação e mais dinamismo para o mercado de previdência privada, é esperado que o open insurance torne isso ainda mais dinâmico, segundo todas as seguradoras consultadas pelo NeoFeed.
“Hoje, para passar de um plano de previdência para outro é preciso ter todos os dados e, muitas vezes, isso se torna difícil, ao ponto de o cliente desistir. Com o open insurance, isso seria automático, diminuindo a fricção que se tem hoje, facilitando a vida do cliente”, afirma Calabria, do Itaú.
O open insurance é a versão de seguros do open banking, mas está bem mais atrasada e sem um cronograma claro de implementação. Quando sair do papel, todos os dados referentes a contas de seguros estarão disponíveis em um mesmo ambiente regulado, facilitando as movimentações.
Mas, mesmo sem essa abertura, o mercado de previdência já se mostra um case de como a facilidade em mudar leva a mais competição entre as empresas e mais e melhores opções para os investidores.
“A previdência privada é o produto com mais facilidade de portabilidade do mercado, tendo opções que não são hoje nem imaginadas para outros produtos bancários e de investimentos”, diz Braga, da Pluggy.