No Santander, as peças mexidas pelo CEO Mario Leão começam a se encaixar

No Santander, as peças mexidas pelo CEO Mario Leão começam a se encaixar


O presidente do Santander Brasil, Mario Leão, confessa para a reportagem do NeoFeed que tem uma obsessão e se dedica a ela diariamente. “Todo dia, antes de dormir, eu olho o site downdetector para saber como os nossos serviços estão sendo avaliados”, diz Leão sobre o site que monitora a satisfação dos clientes nos mais variados segmentos.

Por trás dessa obsessão, há um trabalho que vem sendo feito desde que ele assumiu o banco, em 2022, para melhorar os serviços, a imagem e os resultados da instituição financeira, com ativos de R$ 1,28 trilhão no Brasil. Depois de sofrer com os resultados de 2022 e 2023, aos poucos, o banco vem conseguindo evoluir e, no terceiro trimestre, trouxe uma alta no ROE, que chegou em 17%.

Agora, Leão tem outra obsessão, transformar o Santander no banco principal dos clientes – algo que dez entre dez bancos têm falado – e apostar na hiper personalização centrada em uma quantidade enorme de dados internos e externos. “Essa tese tem a ver com a nossa capacidade de tratar os 65 milhões de clientes de forma única”, diz ele.

Na entrevista que Leão concedeu ao NeoFeed, ele conta como fez para mudar a cultura do banco, que ele diz ser não uma mudança, mas uma evolução; explica como alterou a gestão e as estruturas da organização; e fala sobre os momentos mais difíceis pelos quais passou à frente da instituição financeira nesses dois primeiros anos no comando.

Ele também revela preocupação com a economia em 2025 e diz acreditar que o ano que vem será mais difícil do que este ano. “O PIB vai crescer menos, provavelmente, porque a economia vai estar mais freada. Mas estará mais freada não por iniciativa própria e sim por um nível de juros bem alto”, diz Leão.

Na sua visão, o que explica essa situação é “uma preocupação grande do mercado com relação a condição fiscal do país”. E prossegue. “Não há preocupação sobre o Ministério da Fazenda. Ao contrário, o mercado em geral tem uma visão muito positiva sobre a condução do ministério, mas uma preocupação mais ampla de governo, do Congresso, etc, de como, na prática, vai se comportar o novo arcabouço fiscal.” Acompanhe os principais trechos da entrevista:

O recente resultado do Santander mostrou uma expressiva melhora no ROE. O pior ficou para trás?
Acho que dá para dizer com uma boa dose de segurança que sim em alguns aspectos.

Quais?
A gente está numa fase avançada da melhoria da qualidade da carteira de crédito. Estamos já no terceiro ano absorvendo ou terminando de absorver os custos de crédito associados as carteiras mais antigas. E as safras que temos produzido desde 2022, principalmente de 2023 em diante, têm se comportado em linha com o que a gente imaginava, na média. E esse portfólio que vai crescendo vai ficando mais relevante em relação ao portfólio antigo que a gente está terminando de digerir. Então, a qualidade do portfólio, a cada mês que passa, fica melhor. Estou substituindo um portfólio ruim por um bem melhor.

Como é que vocês têm conseguido substituir esse portfólio para uma carteira mais saudável?
A substituição passa por dois pedaços. Você tem o portfólio que vence e o portfólio novo que você faz. O que vence tem a característica que tem. E ele é um portfólio, principalmente, que a gente contratou, de forma resumida, entre 2020 e 2021, bastante concentrado em baixa renda, bastante concentrado em cartões e crédito pessoal, com muito cliente novo que conquistamos no mar aberto.

Clientes que vocês não conheciam…
A gente focou muito no crescimento de base de clientes, o que, em si, é muito bom e muito dessa conquista foi feita no mar aberto, no digital. Isso atingiu o pico no último trimestre de 2021, bem quando a gente estava começando a ver que os indicadores daquelas safras recentes estavam performando pior. Decidimos frear de 2021 para 2022. E, desde que fizemos esses ajustes, começamos a produzir de uma forma muito mais saudável.

“Passei a olhar bem mais para o público interno do que para clientes conquistados no mar aberto”

De que forma?
Passei a olhar bem mais para o público interno do que para clientes conquistados no mar aberto. Não é que eu fechei a porta para os clientes do mar aberto. Eu continuei capturando o cliente de fora, mas com um critério muito mais alto de seletividade. Então, com esse critério muito mais alto, eu trago menos clientes de fora e eu concedo crédito, portanto, para menos gente.

O cliente interno você conhece melhor…
Um cliente interno eu já conheço o comportamento. Eu conheço a empresa na qual esse cliente trabalha por estar na folha de pagamento. Eu conheço o comportamento de consumo do cartão, de outros créditos que eu já dei ao longo do tempo. Então, se voltar para o cliente interno, foi uma estratégia correta. E avançamos muito na agenda de dados. De meados de 2022 até meados de 2024, avançamos muito na estruturação da arquitetura de dados voltada para crédito. A gente tem avançado muito na hiper personalização.

Todos os bancos têm falado sobre isso…
Mas eu te garanto que somos o primeiro que começou, de fato, a focar nisso como grande tema estratégico. Lancei um projeto para hiper personalização em setembro de 2022.

“De meados de 2022 até meados de 2024, avançamos muito na estruturação da arquitetura de dados voltada para crédito. A gente tem avançado muito na hiper personalização”

E no que a hiper personalização se torna um diferencial competitivo?
Na prática, com base em dados comportamentais dos clientes que já estão aqui dentro, dados de open finance de fora do sistema Santander, dados que compro de birôs e da B3, dados que consulto no Banco Central, tudo isso somado, traz hoje uma capacidade de entender o cliente muito melhor do que eu tinha em 2020 e 2021, quando eu estava tomando as tais decisões de crédito que me fizeram crescer. Com os dados na nuvem, redesenhamos toda a arquitetura de riscos do banco. Passamos a produzir decisões de crédito de uma forma muito mais rápida do que eu tinha antes.

Quão mais rápidas?
Hoje em dia, as coisas mais simples eu implemento de um dia para o outro e antes eram semanas. As coisas mais complexas eu implemento em um mês e antes eram quatro meses, cinco meses. Então, por que eu estou produzindo safras melhores? Porque eu reduzi o público-alvo, me voltei mais para o cliente interno e, quando eu continuei a capturar cliente de fora, passei a ler muito mais dados do que tinha antes e com uma capacidade muito mais potente de processar esses dados. Acredito que a gente tem uma das esteiras mais potentes de crédito do mercado. E isso me permite fazer a hiper personalização.

O que é essa hiper personalização na prática?
Historicamente, os bancos davam crédito parecidos para pessoas diferentes. A hiper personalização é pegar a duas pessoas que trabalham na mesma empresa, que têm riscos de pagamentos iguais, mas diferencio quanto de apetite, taxa e prazo que vou dar para cada um. Com os dados, consigo distinguir apetite, prazo, preço e, mais, saber como me comunico com esses clientes. Essa tese tem a ver com a nossa capacidade de tratar os 65 milhões de clientes de forma única. Eu diferencio um do outro com os dados.

“Existe uma evolução cultural no banco nesses três anos sob minha gestão? Sim.”

Para implementar isso, também teve que ter uma mudança cultural no banco, não? O que mudou desde a sua chegada ao cargo de CEO?
Acho que o banco vinha mudando já e eu busquei acelerar, sem dúvida, seja por idade, seja por estilo. Para simbolizar, eu sou o primeiro presidente do Santander, ou Banespa, etc, que lá no Farol (Farol Santander, prédio no Centro de São Paulo, onde há fotografias de todos os presidentes do banco) não tem gravata. Não é que abomino gravata, é que não combinava nada com a cara de banco e de CEO que eu queria. Essa evolução, que não é da roupa, do banco super tradicional espanhol ou do estado de São Paulo, do estilo, se traduz em um monte de coisas.

No quê?
Existe uma evolução cultural no banco nesses três anos sob minha gestão? Sim. E passa por uma cultura que prestigia muito a liderança individual das pessoas e que aceita que as decisões são tomadas por muito mais gente do que talvez numa fase anterior. E isso não é uma crítica. Eu fiz parte da gestão anterior.

É uma cultura menos centralizadora?
É uma gestão em que existe um grau de autonomia, que eu ainda estou bastante insatisfeito, que deveria evoluir mais. Mas já existe hoje um grau de autonomia na gestão como um todo, no compartilhamento das decisões, que está muito mais amplo do que jamais foi. E isso significa que os líderes estão mais empoderados do que nunca.

Na prática, o que isso muda para a organização?
Os líderes hoje têm mais pontos nos quais eles conhecem a informação. Para você decidir, você tem que conhecer. Tem um compartilhamento de estratégia muito maior, o compartilhamento de grandes temas, de grandes projetos. Com isso, as lideranças do banco têm a noção bastante clara de para onde a gente está apontando, porque a gente está apontando para lá, quais são os gaps que a gente tem e o papel de cada um. Estratégia não é como você vai entregar o próximo trimestre, não é como fecha o orçamento do ano. Estratégia é para onde você está apontando, a estrutura de negócios, as prioridades, as equipes, onde você investe, onde você desinveste e, obviamente, para que você está fazendo tudo isso.

“A gente mudou a estrutura, a gente mudou organograma, a gente mudou a forma como toma decisões”

Mas isso leva um bom tempo para uma empresa com milhares de funcionários…
Passei um bom tempo junto com o comitê Executivo e algumas outras lideranças no primeiro ano, principalmente em 2022, desenhando o que era essa visão estratégica. E, depois desse primeiro desenho, eu fui lapidando em 2023 e já narrando para a liderança para onde estávamos indo. Hoje, o líder tem bem mais a sensação de que as coisas estão nas mãos dele ou dela e que as equipes podem ser, de fato, diretamente tocadas. Usando um termo que uso aqui dentro, o oxigênio está mais espalhado do que nunca.

A estrutura do banco teve de mudar para que isso fosse possível, não?
A gente mudou a estrutura, a gente mudou organograma, a gente mudou a forma como toma decisões. Te dou exemplos concretos. A gente deixa de ter o empoderamento estrutural das áreas de negócio centrado nas áreas de produto. Os bancos foram construídos, ao longo das décadas, para não dizer mais 100 anos, como grandes fábricas de produtos, fábricas impecáveis, com começo, meio e fim, com senso de eficiência, etc. Pessoas altamente especializadas naquilo. Então, você era o cara de cartões, não conseguia nem olhar para o lado porque você não saberia fazer outra coisa. E aquilo lá te tomava todo o tempo. O CEO do banco lá atrás investia nos produtos. Já há alguns anos a gente tomba esse racional e olha a lista consolidada de temas que os clientes demandam que a gente melhore. E, às vezes, até temas que mexem menos o resultado do banco e mexem mais a experiência do cliente.

O que mais mudou?
O Santander foi sempre razoavelmente bem integrado, então não é que eu tinha um banco cheio de silos e verticais. Mas ainda tínhamos uma área de tecnologia, de produtos e uma área de backoffice. A área de produtos cuidava da venda, da precificação, da dinâmica competitiva. Pega de novo cartões. Existia um foco menor dessa área de como era a esteira de processamento dos cartões. Então, tinha uma outra área que era o backoffice, que a gente chama aqui de plataforma, que era responsável por ver o tempo de entrega do cartão, o custo do envio por fazer a negociação. Então, a plataforma fazia tudo o que era o pós-venda, a área de produtos fazia a parte comercial e tecnologia amarrava tudo isso com sistemas. Essas três áreas, historicamente, tinham chefes diferentes, tinham objetivos diferentes e eram avaliados de forma diferente.

Não era muito lógico…
De 2022 para 2023, criamos o conceito das businnes domains, que são a nossa versão de modelo ágil de trabalho. E, para resumir, hoje a gente já tem 27 businnes domains, mesas ágeis bem grandes, às vezes com muitas tribos, focadas em determinados pedaços do negócio, mas em quem as pessoas de produto front, plataforma back e tecnologia sentam juntas. Literalmente integrados com os mesmos objetivos, os mesmos OKRs. Todo mundo alinhado e todo mundo com priorizações de como eu quero me posicionar com o cliente. Fomos o primeiro banco do Brasil a trazer o conceito de NPS, em 2017. A gente continua medindo todo o tempo, mas eu resgato o NPS como a força que talvez a gente nunca teve.

“De 2022 para 2023, criamos o conceito das businnes domains, que são a nossa versão de modelo ágil de trabalho. E, para resumir, hoje a gente já tem 27 businnes domains

Qual é o NPS do banco?
A gente mede por pessoa física e jurídica. Na pessoa física, a gente está no nível mais alto que a gente já teve, entre 62 e 63. Na pessoa jurídica, pela primeira vez na história, passamos de 50. Na pessoa física, durante a crise de crédito, chegamos a 50. Na PJ, até o ano passado, estávamos em 30. Nenhum dos dois estão no nível que eu gostaria, mas a gente fala de NPS praticamente todo santo dia.

Escutando você falar, parece que foi simples fazer toda essa mudança. Mas teve de convencer muita gente pelo caminho, não?
Foi menos difícil porque eu e a Clau (Clau Duarte, diretora de comunicação do Santanter) desenhamos uma narrativa para dentro com foco super disciplinado em rituais. E não falo no sentido da rigidez do ritual e sim na consistência. A gente criou e evoluiu rituais de comunicação interna que fizeram com que as pessoas sempre tivessem a capacidade de entender as grandes mensagens. A mensagem não ficou guardada numa caixinha trancada e escondida. A gente foi narrando desde o dia zero, de 1 de janeiro de 2022, todos os meses, no mínimo, um ou dois rituais de comunicação, de normalização, não de passar a mão na cabeça.

Como foi isso?
Busquei que as pessoas fossem entendendo o contexto exato pelo qual o banco estava passando. Que as pessoas ganhassem maturidade enquanto elas iam entendendo mais sobre o banco e sobre a estratégia do banco. Hoje, a gente tem uma cultura que acho que é bastante forte, de transparência, de um senso de hierarquia quase que de organização e não de formalidade. A gente chama organização muito horizontal e muito fluida.

“Hoje, a gente tem uma cultura que acho que é bastante forte, de transparência, de um senso de hierarquia quase que de organização e não de formalidade”

Não teve dificuldade?
O que foi mais difícil foi fazer tudo isso enquanto a gente estava redesenhando o portfólio de negócio do banco como um todo. Porque eu sabia, quando eu assumi, que a gente teria dois anos muito duros. Eu não sabia quantificar, eu sabia que a gente passaria por uma frenagem brutal de apetite de crédito, que o resultado ia cair nos próximos um ano e meio, dois anos, quase como efeito inercial de uma frenagem, e que eu precisava buscar uma organização que não baixasse a cabeça e gerar um turnover acelerado. Sempre mantive a narrativa que sempre continuamos sendo história de crescimento, mas crescer não é crescer sempre e não é crescer de forma linear em tudo. Escolhi alguns negócios e falei aqui a gente vai crescer e crescer com força para compensar os portfólios em que eu estava freando.

Por exemplo?
O agro, o consignado, as pequenas e médias empresas. Então, escolhemos alguns temas e a gente foi super firme naqueles com seletividade, com critério. Agora, dois anos depois, foi superimportante ter feito isso, porque eu cresci um negócio que eu deveria ter crescido, consegui manter a narrativa para mercado e, principalmente, para dentro, de que o Santander é uma organização de crescimento.

O que foi difícil?
O difícil foi gerir esses dois anos de 2022 e 2023, sendo que 23 já com um efeito cumulativo da frenagem. Se você olha os nossos resultados, fica super visível. Você vê a nossa primeira linha de receita, ela vai caindo, trimestre a trimestre, durante um ano e meio, mais ou menos. Foi difícil ver isso acontecer, ainda mais quando você acabou de assumir uma operação grande, que tinha tido um ciclo de crescimento superbacana, que tinha chegado em 2021 com um resultado recorde e, logo depois, bem quando você assume, sabe que está passando por uma frenagem que invariavelmente vai fazer o resultado diminuir por algum tempo.

E para manter o moral da equipe?
Você tem que, ao mesmo tempo, aceitar isso como um dado do contexto, não pode deixar a moral da organização cair, não pode passar a mão na cabeça da organização e falar que está tudo certo. E você tem que trabalhar estrategicamente tanto numa visão de médio e longo prazos quanto a visão de que portfólios eu preciso desenvolver desde agora para criar proteções para daqui a um ou dois anos estar de volta com força. Foi difícil conciliar tudo isso.

Qual é o diagnóstico agora, dois anos depois?
Estamos em um patamar de rentabilidade, 17% de ROE, que é bom, não é ótimo, mas é bom. Um nível de lucro trimestral que já é perto dos melhores lucros que a gente já teve, de R$ 3,7 bilhões, ainda não é ótimo, mas está na direção certa. Então hoje já dá para dizer que, sim, definitivamente a gente passou do pior. Mas o mais importante é que não é eu não perdi organização, a moral das pessoas está no nível certo, a maturidade subiu bastante nesses três anos. A gente nunca teve engajamento tão alto e a gente nunca teve um portfólio tão rico e tão diversificado. E o melhor ainda é que eu sei com segurança que no direcional, nos próximos um, dois, três anos, a gente vai continuar melhorando cada vez mais. A gente está em cima de uma base bastante melhor do que a gente jamais teve.

“Sei com segurança que no direcional, nos próximos um, dois, três anos, a gente vai continuar melhorando cada vez mais. A gente está em cima de uma base bastante melhor do que a gente jamais teve”

Você disse que comunicou muito para o seu time para onde o Santander queria ir. Para onde o Santander quer ir?
O nosso tema estratégico principal é o de que a gente quer ser o banco ou plataforma financeira mais presente na vida dos clientes. Eu quero dizer com isso esse é o conceito da principalidade. Ser o banco mais presente na vida do cliente.

Todos os bancos querem isso. O que você vai fazer de diferente?
Quero ser o banco que entrega a experiência mais hiper personalizada de todo o mercado. Estou naquele estado da arte de hiper personalização? Não. Mas eu estou com vários elementos que eu narrei para você, já prontinhos e os que não estão prontos, estou a meses de ter pronto, eu consigo tocar, eu consigo ver, não é mais um PowerPoint lindo de uma grande consultoria que veio aqui. A hiper personalização vai me dar a capacidade de fazer cada cliente se sentir absolutamente único. É uma relação em que o banco me entende perfeitamente. Ele sabe meu contexto, meus momentos, meu ano, meu mês, meu dia, meu grupo familiar, a empresa onde trabalho, minha dinâmica, meu histórico, sabe que tipo de coisa eu gosto, que tipo de coisa não gosto e é capaz de se comunicar comigo de uma forma que eu, de fato, me sinta diferente de todos os outros. E isso tem que valer para o cliente de baixa renda até o private.

E o que eles querem?
A maioria dos elementos são exatamente os mesmos. O primeiro é a capacidade de ler a pessoa ou empresa de forma impecável, histórico no presente, consegue projetar. Em segundo lugar, a capacidade de se comunicar com esse cliente da forma mais online que esse cliente queira e no formato que esse cliente queira. A maioria dos clientes quer se comunicar de forma digital. Então a gente tem que ser para esses clientes o melhor banco digital possível.

O que é ser o melhor banco digital, na sua visão?
É ser supersimples. Supersimples! E banco tradicional não teve a aula lá na graduação de ser simples. A gente teve que aprender depois, na pós-graduação. Já fizemos essa lição de casa, espero que a gente tenha feito melhor. A capacidade de simplificar a oferta, reduzir o número de produtos, reduzir as jornadas para um ou dois cliques e, de novo, adicionar uma comunicação superbacana e jovial, isso é outra coisa superimportante.

Os neobanks já são isso. No que o Santander pode ser melhor?
Além dessa experiência digital impecável, que não é só do aplicativo em si, é de um chat e de uma conversa com uma pessoa por trás, eu ainda tenho as lojas (agências bancárias). Com isso, consigo dar uma experiência completa para os clientes que nenhum banco digital consegue. Eles conseguem ter uma experiência digital bacana, simples, não cobram. Eu também não cobro. Eles têm um chat bacana, eu também. Mas, no limite, falo, se você precisar, tem aquela loja aqui da Berrini (avenida da cidade de São Paulo), ou tem um workcafe, ou tem uma loja para os clientes alta renda Santander Select. Então, a gente consegue entregar não só a hiper personalização, mas conseguimos entregar uma experiência multicanal integrada.

O que mais?
Eu quero que você, como cliente Santander, não tenha nunca que contar uma história duas vezes para mim. Você teve uma experiência boa ou ruim? Tem que estar registrada de forma que, na próxima interação que você tiver, que pode ser daqui a trinta minutos ou um ano, eu saiba o que aconteceu. Quero chegar no passo em que eu seja preditivo, que eu nem precise que você me conte.

Os bancos incumbentes ou tradicionais têm um leque de produtos enorme. Isso não vai contra essa simplicidade?
Eu tenho um leque de produtos muito maior do que eu preciso. Na prática, estou mais para fechar produtos do que abrir produtos.

Vocês vão reduzir o portfólio?
Já reduzimos várias centenas de produtos. Em 2021, por exemplo, tínhamos mais de 300 cartões. Hoje, temos entre 50 e 60. Com o novo sistema de cartões na nuvem, a gente vai chegar a 12 ou 13. No limite, teremos cinco ou seis cartões.

“Em 2021, por exemplo, tínhamos mais de 300 cartões. Hoje, temos entre 50 e 60. Com o novo sistema de cartões na nuvem, a gente vai chegar a 12 ou 13. No limite, teremos cinco ou seis cartões”

O que isso representa para o banco?
É brutal. A gente passa a ter um leque muito menor para explicar para o cliente. Então, uma equipe comercial e uma equipe de atendimento de pós-venda tem que decorar cinco manuais em vez de decorar 300. Como ninguém é capaz de decorar 300, é impossível você servir bem o cliente com 300 cartões de crédito. Isso, fora os fundos de investimento e as contas correntes diferentes. O tema da simplificação é enorme. A minha oferta de entrada hoje para um cliente, seja um cliente atual, mas que não tem conta conosco; seja um cliente que eu estou trazendo do digital, mas muito mais qualificado, é free.

Já não existia essa conta gratuita?
A gente ainda tinha uma conta que era gratuita, desde que. É um cartão gratuito, desde que. Sempre tinha uma condicionante. Falamos, não. Vamos ser banco digital nesse sentido, conta gratuita, cartão gratuito para a vida inteira. Daqui a 100 anos esse cartão vai continuar sendo gratuito. O que ofereço de valor agregado para esse cliente é um seguro que protege o cartão ou um combo que é Globoplay, algum tipo de assistência e crédito no celular por R$ 29,90. Então, esse cliente deixou de pagar uma tarifa de conta que ele não via valor agregado, absolutamente nenhum, e por isso que ele não estava mais comigo, indo para o banco digital, para ter uma economia e ainda cancela quando quiser.

Está indo bem?
Super. A gente está vendendo os dois, o seguro do cartão e o combo estão empinadíssimos.

Quantas contas foram abertas?
Não divulgamos os números, lançamos no dia 28 de abril, mas pode assumir algumas milhões.

Você fala muito do digital. Não acha que os bancos incumbentes, incluindo o Santander, demoraram demais para entrar tanto no digital como nas plataformas abertas de investimentos?
Acho que nos dois casos a resposta é sim. Em plataformas, os bancos demoraram e permitiram que escritórios de assessoria e corretoras se proliferassem. O Santander percebeu isso já na minha gestão e construímos a nossa própria força de investimentos, o nosso próprio escritório. Não comprei escritórios porque estava caro demais, mas eu construí o nosso próprio escritório, que a gente chama de Triple A. Vamos chegar a 2.000 assessores daqui a pouco e estamos fazendo o melhor trabalho do mercado. Cada assessor tem só 100 clientes na carteira e na média, os outros têm 500, 600. Então, por definição, eu falo com o meu cliente, com um super rigor do que vender e com uma plataforma aberta de investimentos. E não tenho a ambição de ser tão aberta quanto algumas corretoras. Tem CDB de alguns bancos que eu não vou vender aqui.

Quais bancos?
Não me peça para citar os nomes.

“Os bancos foram se digitalizando. A propriedade intelectual de ser banco digital não é das fintechs”

E no tema do digital?
Os bancos foram se digitalizando. A propriedade intelectual de ser banco digital não é das fintechs. O que elas fizeram melhor é que elas entenderam muito cedo que o cliente não queria mais uma relação que tivesse um ponto de partida com cobrança. Os bancos levaram tempo para entender? Levaram. Entenderam? Entenderam.

Você acha que agora está em pé de igualdade?
Como oferta, diria que está razoavelmente em pé de igualdade. Mas quem foi mais contundente nessa oferta digital free mesmo foi o Santander.

Mudando de assunto, olhando o país de forma macro, o que se pode esperar de 2025?
O ano de 2025 vai ser mais difícil do que em 2024.

Mais difícil?
Acho que vai. Este ano começou com o juro mais alto e foi caindo e, agora, estamos fazendo o movimento contrário. Vai terminar o ano talvez no nível mais alto. O ano que vem talvez continue subindo algo, é o que o mercado está projetando. E, tomara, que a inflação se contenha e o Banco Central possa cair lá paro segundo semestre. Ninguém sabe a essa altura, mas é provável que o CDI médio do ano que vem fique acima do CDI médio desse segundo semestre. Com isso, a atividade vai estar mais freada, o nível de juros nas dívidas das empresas vai estar mais alto. Esse ano foi o ano recorde RJs (Recuperações Judiciais) do Brasil de toda a história. Não acho que, necessariamente, vai ter um recorde maior no ano que vem, mas o patamar próximo já é muito ruim.

“O PIB vai crescer menos, provavelmente, porque a economia vai estar mais freada. Mas estará mais freada, não por iniciativa própria e sim por um nível de juros bem alto”

Isso pode levar a um crescimento menor do PIB?
O PIB vai crescer menos, provavelmente, porque a economia vai estar mais freada. Mas estará mais freada não por iniciativa própria e sim por um nível de juros bem alto. A gente está indo, possivelmente, para um nível de juros de 13,75% de quando a inflação estava em 11%, 12%. Só que a inflação está em um patamar de 4%.

No Brasil, é comum a seguinte frase: “quem gosta de juros altos são os banqueiros”. Isso é frequentemente repetido. Diante disso, te pergunto: banqueiro gosta de juros altos?
Não. O juro alto impacta positivamente um pedacinho do nosso balanço, que é, de forma muito resumida, a remuneração do nosso capital. Eu tenho capital para fins prudenciais. Esse capital em banco é muito alto e eu remunero esse capital tão mais alto quanto for a taxa de juros, mas é simplificar. ‘Então você quer mesmo o juro alto? Juros altos para você é bom?’ Com certeza não.

Por quê?
Juro alto inibe a economia. Então a economia crescer menos significa a gente crescer menos o portfólio de crédito, crescer menos o portfólio de depósitos, de emissões de mercado de capitais, de fusões e aquisições. As empresas contratam menos, então tem menos fluxo, menos transferência, menos Pix, menos folha de pagamento, menos consignado. Então, a economia está inversamente correlacionada a taxa de juros. A taxa de juros alta significa economia mais freada, o que é ruim para todos os setores, mas para bancos mais ainda, porque os bancos trabalham alavancados. Por definição, eles são grandes conduítes da economia. Tenho um capital de R$ 80 bilhões e tenho R$ 650 bilhões de carteira ampliada. Se a economia está freando, os bancos sentem mais. O segundo aspecto, que dói mais ainda na conta, é que um juro mais alto significa um custo de crédito mais alto.

“Juro alto inibe a economia. Então a economia crescer menos significa a gente crescer menos o portfólio de crédito, crescer menos o portfólio de depósitos, de emissões de mercado de capitais, de fusões e aquisições”

Aí vem a inadimplência…
Isso é matemática. O juro baixo significa inadimplência baixa, no juro alto a inadimplência é alta. Acabei de falar das empresas e por que falei de empresas e não de pessoas físicas? Porque pessoa física no Brasil toma empréstimo prefixado, o consignado é prefixado, o imobiliário é prefixado, até o crédito pessoal de curto prazo é prefixado. Então a Selic subir não muda muito e pessoa física já tem taxas mais altas na média, o spread da pessoa física é mais alto porque tem muito mais risco de crédito. Pessoa jurídica é quase tudo pós fixado. Então, as empresas médias, menores e mesmo algumas grandes mais alavancadas num cenário de juros mais alto começam a engasgar, que é o que a gente viu esse ano crescendo.

Você acha que a gente está nessa situação por uma questão interna de Brasil ou externa?
Os dois. Atualmente, a preocupação do mercado tem um componente maior interno do que externo. Claro que há uma vitória do Trump, a visão do dólar ficar forte, ter mais protecionismo. Ao longo do ano, tivemos outros episódios de ruídos externos, como o FED vai baixar ou não os juros, guerras ao redor do mundo. Mas no mercado precificado como está hoje, bem desenquadrado tanto no câmbio a R$ 5,80, quanto a taxa de juros, é mais importante olhar a para a taxa de juros de médio prazo, seja a taxa de juros nominal, a taxa pré que replica a Selic, quanto a taxa de longo prazo de inflação. Ela está por volta de 7%. É uma loucura. É quase dizer que, líquido de inflação, o investidor brasileiro ganha 7% ao ano, em título isento, livre de imposto de renda. Isso cria um desbalanceamento completo de aplicadores e tomadores.

“Atualmente, a preocupação do mercado tem um componente maior interno do que externo”

De que forma?
O dinheiro vira muito mais especulativo do que o dinheiro produtivo. Isso em si também acarreta uma frenagem na economia, frenagem ruim.

Na sua visão, o que está por trás disso?
Uma preocupação grande do mercado com relação a condição fiscal do país. Não há preocupação sobre o Ministério da Fazenda. Ao contrário, o mercado em geral tem uma visão muito positiva sobre a condução do ministério, mas uma preocupação mais ampla de governo, do Congresso, etc, de como, na prática, vai se comportar o novo arcabouço fiscal.

Quando você acha que os IPOs voltam ao Brasil?
A gente quer crer que volte o ano que vem para histórias muito especiais que já estão absolutamente prontas, que traz elementos distintivos em relação a outros setores ou em relação a outros players dentro desse setor.

Mesmo com juros altos?
Com o mercado que estamos vivendo hoje, acho improvável a gente ver qualquer IPO. Mas, com o mercado se acalmando, normalizando, vindo o pacote fiscal de corte de gastos, os juros de longo prazo cedendo, o câmbio cedendo e o mercado ficando mais consultivo, pode ser que tenhamos no ano que vem. Mas as coisas precisam melhorar um bocado para termos IPOs. No caso de follow ons, é um tema muito mais tático. Tem empresas que estão precificados bem na bolsa e teriam acesso a qualquer momento. Tem empresas mal precificadas e aí os controladores não vão querer se diluir. Mas tipicamente a empresa que já está listada tem mais capacidade porque os dados são públicos. Follow ons devemos ver alguns ao longo do próximo ano.





Fonte: Neofeed

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