A Avenida Paulista está diferente. Talvez nem todos percebam. O novo morador de um dos endereços mais emblemáticos de São Paulo é discreto. Situado no número 1.500, o novo prédio do Museu de Arte de São Paulo (Masp), batizado Pietro Maria Bardi, não busca rivalizar com a joia brutalista projetada por Lina Bo Bardi e inaugurada em 1968.
Ainda assim, os dois edifícios compartilham algo essencial: a mobilização da sociedade para sua realização, liderada por um grupo de empresários. Ao custo de R$ 250 milhões, a construção foi financiada por doações privadas de 21 famílias, cujos nomes agora figuram na entrada do museu.
“Foi uma história de sucesso incrível. Às vezes, me belisco e me pergunto como conseguimos”, comemora Alfredo Setubal, CEO da Itaúsa e presidente do conselho do Masp, em conversa com o NeoFeed.
Desde 2017, ele e o advogado Heitor Martins, sócio da consultoria McKinsey e presidente da instituição, buscaram doações junto a famílias e empresários para viabilizar a construção do novo edifício.
“As pessoas entenderam a importância do museu como forma de retribuir à cidade que as acolheu e onde construíram seus negócios e fortuna. Houve uma conexão entre o projeto e os doadores”, lembra Setubal.
Segundo ele, foram raras as respostas negativas. Aos potenciais doadores, destacaram a origem do Masp: um museu privado, cuja coleção — que inclui obras de Rafael, Modigliani, Degas, Manet, Cézanne e Van Gogh — foi formada por doações de empresários e famílias.
“As pessoas querem se sentir participantes”, completa Martins, ao NeoFeed. Ele acredita que, para engajar a sociedade, é essencial oferecer visão, segurança institucional, transparência, contas em ordem e oportunidade de participação. “Se você oferece isso, a sociedade está pronta para ser mobilizada. E há muitas pessoas dispostas a contribuir.”
A família Setubal tem uma longa tradição de apoio à cultura paulistana. O CEO da Itaúsa já integrou os conselhos do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e do Instituto Itaú Cultural. Já a entrada de Martins nesse universo é mais recente, embora seu interesse pela área tenha se manifestado desde jovem.
Quando universitário, decorava seu quarto com o cartaz da mostra Tradição e Ruptura, realizada na Bienal de 1984. Além disso, seu primeiro convite para sair com Fernanda Feitosa — hoje sua esposa e criadora da SP-Arte, principal feira de arte do País — foi uma exposição de Salvador Dalí no MAM, quando ambos estavam no primeiro ano da faculdade, em 1986.
Martins começou a ser envolver com gestão cultural ao ser convidado pelo arquiteto Jorge Wilheim (1928-2014) para contribuir com a Fundação Nemirovsky, que guarda um dos mais importantes acervos de arte moderna brasileira. Em 2009, ao assumir a presidência na Fundação Bienal de São Paulo, que enfrentava uma dívida de R$ 5 milhões, chamou Setubal para ajudá-lo a sanear as finanças da instituição.
Em 2014, a história se inverteu. A diretoria do Masp procurou Setubal em busca de um empréstimo para saldar dívidas que, em 2006, já haviam causado até o corte de luz do museu. “Era um gigante se afogando em uma poça d’água”, ilustra Martins.
“Sem um modelo sustentável de gestão, o museu ia quebrar”, lembra Setubal. Em vez de um empréstimo, o CEO da Itaúsa optou por ingressar no conselho do museu e chamou Martins, que assumiu a presidência do MASP.
“Sonho coletivo”
Para colocar as contas em dia, Martins montou um grupo de 83 empresários, entre eles o CEO da Itaúsa, para ajudá-lo na reestruturação e na arrecadação de doações. Tanto Martins e Setubal quanto os conselheiros trabalham de forma voluntária, dedicando seu tempo e expertise no mundo corporativo para recuperar e fortalecer a instituição.
“A dedicação não é pequena”, ressalta Martins. “Mas parte disso também está em construir equipes; nada se faz sozinho. O que você faz é ajudar a criar um sonho coletivo.”
Para colocar o museu nos trilhos, segundo Setubal, o grupo conseguiu captar R$ 70 milhões. A nova gestão implementou ainda um modelo de governança organizado entre conselho deliberativo, diretoria estatutária e executiva. Eles também criaram um programa de patronos, no qual cada participante contribui com pelo menos R$ 55 mil anuais.
Em 2016, liderado por Setubal, foi criado um fundo patrimonial (endowment) para o Masp com captação inicial de R$ 30 milhões. O investimento, porém, ainda não cobre os custos operacionais do museu, estimados em R$ 80 milhões anuais com o novo prédio.
Para ampliar as receitas, a diretoria criou, em 2023, uma fundação nos Estados Unidos, voltada para captar doações de empresários americanos, a Friends of Masp. Atualmente, as receitas do museu provêm de bilheteria, loja, locação do restaurante, doações privadas e leis de incentivo, que cobrem 45% do orçamento. A prefeitura de São Paulo contribui com cerca de 5%.
Para Martins, o principal motor do museu é sua programação. Em vez de contratar um curador, quando assumiu, convidou Adriano Pedrosa como diretor artístico, responsável por montar uma agenda dinâmica e relevante para a instituição.
Surgiram, então, os ciclos anuais Histórias, como Histórias das Mulheres, Histórias Brasileiras e Histórias Afroatlânticas. Este último foi eleito pelo jornal The New York Times como uma das melhores exposições do mundo em 2018. Em 2025, o ciclo Histórias da Ecologia trará uma aguardada mostra do pintor francês Claude Monet (1840-1926).
“A alma do museu está na sua programação, coleção e relação com o público”, afirma Martins. “O dinheiro e a gestão são instrumentos para viabilizar isso.”
Diálogo com o vizinho
Em dez anos, o público do Masp mais que dobrou, de 300 mil para 650 mil visitantes anuais. A exposição Tarsila Popular, em 2019, atraiu 402.850 pessoas, com filas que dobravam o quarteirão. Além disso, o acervo cresceu com a entrada de 1.070 novas obras.
Atento às lacunas na coleção e às questões contemporâneas, o Masp adquiriu, em 2019, 124 obras de artistas mulheres no contexto da exposição Histórias das Mulheres. Em 2021, recebeu a doação de 93 desenhos de Joseca Yanomami para o ciclo Histórias Brasileiras.
Outro marco da última década foi o resgate dos icônicos cavaletes de vidro desenhados por Lina Bo Bardi para expor as obras do acervo. Este processo de recuperação do projeto expográfico original da arquiteta foi conduzido pelo escritório METRO Arquitetos Associados, liderado por Martin Corullon e Gustavo Cedroni, que assinam também o do novo prédio.
O projeto do edifício Pietro Maria Bardi, teve a participação de Júlio Neves, presidente da instituição entre 1994 e 2008.
E um conselho fundamental do arquiteto Paulo Mendes da Rocha (1928-2021): o novo prédio não poderia competir com o que agora se chama Lina Bo Bardi. Os arquitetos deveriam buscar estabelecer um diálogo com o vizinho.
“Imaginário da cidade”
O Pietro Maria Bardi replica a volumetria do prédio de Lina, mas na vertical, com 70 metros de altura, 14 metros de largura e 30 metros de profundidade. A fachada metálica faz referência às esquadrias do edifício brutalista, reforçando a complementaridade entre os dois.
Com 14 andares e quase 8 mil metros quadrados, o novo prédio aumenta em 66% os espaços expositivos. O edifício conta com cinco galerias, áreas multiuso, salas de aula, um laboratório de conservação, restaurante, café e infraestrutura para carga e descarga de obras.
A proposta é que o prédio de Lina abrigue o acervo permanente, duplicando o número de obras expostas, e mostras temporárias apenas no segundo andar; enquanto o novo edifício, alinhado às normas mais avançadas de museologia — o que facilita o empréstimo de obras de instituições internacionais — será dedicado a exposições temporárias.
O Pietro deve abrir para visitação em março de 2025, com mostra temporárias de obras do acervo.
“O Masp faz parte do imaginário da cidade”, afirma Martins, que permanece na presidência até 2026. “Eu tenho muito prazer e acho muito importante a gente contribuir para comunidade. Com um pouco de esforço e dedicação, é possível construir coisas importantes”, diz ele. “Isso é bom para a cidade, para o país e para nós mesmos. Tenho uma sensação muito gratificante de legado.”